quinta-feira, 11 de junho de 2009

poissas lur dis tot en apert

A prédica religiosa sobre o exercício da vontade não é funcional em uma sociedade de consumo. A valência positiva incondicional da afírmação da vontade está na base da publicidade, da escolha vocacional, das decisões maritais, do consumo, etc. Ela é ubíqua a um ponto tal que uma manifestação contrária é sempre polêmica. Casamentos baseados em um cálculo prudencial são condenados; conformar-se com o destino é a bête noire de toda a literatura de auto ajuda. É fácil concluir que a intensa difusão de tais idéias e valores é a contrapartida precisa da observância estrita dos comandos opostos. A imensa maioria das pessoas precisa se conformar com seu destino; a imensa maioria dos relacionamentos duráveis entre humanos sustenta-se em alguma forma de negação dos caprichos pessoais.

A razão é evidente e trivial: o livre exercício da vontade produz exatamente o resultado previsto pelo verso do Eclesiástico: você se torna a alegria de seus inimigos. De seus concorrentes sociais, para usar o linguajar contemporâneo. A realidade prática da vida da maioria das pessoas é aquela descrita por Paolo: o freio do cavalo, a disciplina, o treinamento.

Uma ironia nunca vem sozinha, nem a melhor é a que se percebe primeiro. A realidade dificultosa de indivíduos cotidianamente ensinados a resistir às pressões da mídia e das mitologias sociais, endossadas da boca para fora, é superada pela aparência singular do tratamento social dos que sucubem - os dos que acreditaram nos valores sociais dominantes.

Compradores anônimos, endividados anônimos, pródigos anônimos, viciados de todos os tipos, problemas que são para parentes, amigos e redes sociais, precisam ser submetidos a ritualizados tratamentos de controle da vontade. Sem qualquer apelo a um comando religioso superior - a um conselho oferecido por Deus - precisam realizar uma complexa operação intelectual para se curar. Se é que se curam.



(Imagem: Marcus Curtius lança-se ao abismo. Leonaert Bramer, 1657)

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