segunda-feira, 1 de junho de 2009

lai en la tor on si jasia


O tropos comparando Lázaro e o homem rico mereceu um dos mais belos corais de J.S. Bach, na cantata sobre a guerra entre o arcanjo Miguel e Satã. Não avançaria, contudo, muito além da parábola cristã sobre a dialética da exaltação e da humilhação, exposta por Jesus, implícita no Velho Testamento, dos Céus como espelho invertido das potências da Terra. Essa mera inversão de papéis entre o Céu e a Terra, sugestiva de um sistema de pontuações teologicamente infantil, não revela toda a leitura de Paolo. Seu segredo está nas últimas linhas, ainda uma vez bem parecidas a um paradoxo zen.


O problema da salvação não está em um sistema linear e explícito de pontuações, que punisse os Reis e os Poderes que estão com o Inferno e mandasse os pobres para o Paraíso. Tal equação seria simples demais. O problema é a incerteza sobre o gesto que realmente importa, por mais mínimo que seja, por mais obscuro que seja. Uma palavra generosa, dita sem muito pensar, pode ser esse gesto; a esmola dada em um momento de felicidade; um pequeno trabalho: tudo isso pode contar para Deus. Ninguém pode saber, por definição; suspeita-se.


As Potências da Terra são ridículas porque parecem mandar muito, mas não produzem, por si mesmas, nada de relevante aos olhos de Deus. Ademais, são perfeitamente substituíveis. Encerrado o funeral de Estado, restam apenas artigos de enciclopédia, fotos e folhas amareladas. Nada mais ridículo, por sinal, do que ex-Potências em vida. As monarquias tinham essa sabedoria: deixava-se o cargo com a Morte. Ex-monarcas são presas fáceis de conspirações de governantes, figuras quase cômicas.


O conteúdo real da história de Lázaro e o homem rico pode ser todo outro, não tão simplório com quer sugerir o coral. Lázaro pode ter sido bem mais que apenas mais um pobre.

(imagem: Alegoria da Morte do Príncipe D. José. 1790. Biblioteca Nacional de Portugal)

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