domingo, 27 de junho de 2010

Încerce acum sórta sa'mi crasca suferira

Uma vez mais, é digna de nota a sensibilidade de Segneri ao problema sociológico da fé. Sua meditação trata mais diretamente da necessidade do sacrifício a Deus, mas, de forma sutil, enfatiza que tal sacrifício é de tanto maior valor quanto maior é a posição social de quem se sacrifica. Instintivamente percebe o que a sociologia inglesa dos anos 1970, em desafio à visão convencional do marxismo, afirmava sobre o real alvo da ideologia. O objeto do trabalho ideológico mais sofisticado não podem ser os oprimidos, que mal têm condições de compreender seu próprio mundo, mas as elites, no sentido amplo do termo. São as elites que dispõe do conhecimento e do poder social para a manutenção da ordem e precisam acreditar em tal ordem. Quando as elites desertam, é um claro sinal do fim - uma constatação válida seja para a religião organizada, seja para o socialismo real.

Segneri, aliás, também não se limita a um lamento crepuscular sobre o abandono da fé pelos ricos e poderosos de seu tempo. Responde ironicamente à argumentação de que o sacrifício a Deus é penoso. O hedonismo (o de então e o de agora) apenas substitui uma submissão por outra. O que é melhor, pergunta, sacrificar-se a Deus e ao próximo ou sacrificar-se ao ventre e ao dinheiro? É inevitável lembrar a linha de Paulo: que adianta ao Homem ganhar o Mundo se perder sua Alma?

Obsecro vos per misericordia

Considera, che pietà grande sia questa: vedere alcuni, i quali potrebbono fare a Dio de lor corpi un sagrifizio belissimo, e tuttavia non conoscono la lor sorte. Jovens e ricos, que vítimas seriam para Deus! E no entanto, se rendem ao Mundo. Fazem, no máximo, um sacrifício ordinário, não nobre. Três coisas fazem o sacrifício: a Vítima, a Oblação e a Ocisão. Metafórico, mas sacrifício. Pensas em manter o teu corpo e não oferecê-lo em sacrifício. Três são os modos de oferecer sacrifício: 1. padecer pelo culto do Senhor; 2. penitenciar-te como réu diante de Deus; 3. as fadigas no serviço do próximo. A que Deus, afinal, sacrificas teu corpo: o ventre? O dinheiro? Queremos que sejas vítima, mas vítima santa e não imunda. Queremos que seja vítima, mas vítima razoável, não como um boi ou uma cabra. Ma chi non sa che'l fine, solo è quello c'ha da volersi senza misura, siccome vogliono gl'infermi la sanità? Il mezzo si ha da volere fino a quel segno, che sia giovevole al fine, siccome vogliono parimente gl'infermi la medicina.

(marzo vi, Obsecro vos per misericordia Dei..., Romanos 12.1)