quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

cora ques annes o vengues

James Hollis não deixa que sua formação analítica afete suas boas reflexões. Em Unbidden ideas compelling behaviors, publicada nesse curioso periódico - Literal - registra corretamente que o conteúdo de um vício é menos importante do que a natureza obsessiva do comportamento em questão. O prazer físico ou moral do vício é apenas um objetivo tático, cuja racionalidade última é claramente duvidosa. É a cegueira do pecador, comentada por Segneri.

O objetivo do vício, na verdade, é distrair o espírito de uma chaga ou de uma angústia realmente penosa. O medo primal dessa condição é que empurra os humanos para a obsessão do vício. Esse fato explica, de uma forma bem direta, o fenômeno descrito por Segneri. A muitos, Satanás nem precisa tentá-los: correm atrás do vício e do pecado por livre e espontânea vontade. Pedem por uma tentação, pedem pela condenação.

Hollis e Segneri, contudo, nos deixam sem uma explicação para a origem dessas chagas. O jesuíta desculpa Satanás; o psicanalista alude ao desconhecido:




Falar em inconsciente é falar do que não pode ser examinado diretamente. Do contrário, seria consciente. Sendo inconsciente, como pode ser levado em conta pela consciência? Segneri, ao menos, não aventura sofismas. Sêneca escreveu melhor: Tempestates nos animi quotidie iactant. Está na Epístola LXXXVIII.



sábado, 23 de janeiro de 2010

Quid prodest homini

Considera, che Cristo in questo luogo non dice Quid prodest homini, si Mundum universum lucretur, animae verò suae jacturam patiatur, ma detrimentum; perchè tu sappia, che non solo non torna conto di perder l'anima per aquitar l'Universo, ma ne pur torna conto di sottoporla a qualunque pregiudizio spirituale, per minimo, ch'egli sia. Sabes tu quanto vale um mínimo de glória? Vale mais que todas as monarquias e se para conquistá-las cometesses um só pecado, farias uma péssima troca. Que gozarás, no Inferno, de todos os prazeres que tiveres na Terra? Como te confortarão os tesouros do passado? Vê o que dizem nos abismos? Quid nobis profuit superbia? São contentes, como Acab, com uma vinha, são contentes com uma pobre Igreja, uma pobre Cátedra. São como os pobres hebreus (Deut. 28) que buscavam entre os romanos quem os quisesse levar como cativos. Assim fazem tantos Cristãos, que se recomendam ao Diabo mesmo quando esse não os procura. E o Demônio ri e deixa e os induz a inventar novas coisas para reavivar sua libido. Consomem-se em raiva sem ter em quem vingar-se; em avareza e não fecham um contrato que seja lucrativo; enlouquecem de ambição e não encontram um lugar que os satisfaça. Do que provam os pecadores? O amor à própria escravidão. E vuoi, che torni conto dannarsi per un peccare, il quale è sì sterile; ò pure fertile sì, ma di mera pena?

(febbrajo xxvi, Quid prodest, Lucas 21, 36)*

[A edição de Maná da Alma é pouco cuidada. A passagem, de fato, é Mateus 16, 26)]

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

cortesas son et essenhadas

A levitação religiosa – reportada na biografia de Segneri - não é um fenômeno incomum, nem específico do cristianismo, ainda que o século XVII tenha registrado um verdadeiro surto, inclusive nas Américas hispânicas. Nenhum santo, contudo, tornou-se mais célebre por suas levitações que São José de Cupertino (1603-1663). Capucinho, notório por suas escassas habilidades mentais, Cupertino tornou-se um mito por sua espetacular levitação pública em 4 de outubro de 1630. Seus êxtases religiosos rotineiros geralmente conduziam à levitação e apenas a ordem dos superiores encerrava o fenômeno. Chegou mesmo a voar diante de Urbano VIII.

Como também era típico do ambiente religioso do século XVII, tais êxtases, contudo, nunca foram bem vistos pela hierarquia religiosa e a Inquisição terminou levando Cupertino a longos anos de exílio em conventos. Alexandre VIII, contudo, lhe permitiu maior liberdade no fim da vida e o santo voltou a atrair multidões. Clemente XIII o canonizou em 1767, fato que levou M. de Voltaire a escrever um engraçadíssimo libelo, “A canonização de São Cucufino”. São José de Cupertino tornou-se o padroeiro dos pilotos de avião e dos astronautas, assim como dos que têm dificuldades para passar em concursos.

Há um livro notável de Pietro Manni. Il frate volante. San Giuseppe da Copertino nella cultura e nella memória (2003).





segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Alzato da terra quattro palmi circa, in atto di orare

Desse ponto em diante, a narrativa avança no terreno do miraculoso. Segneri promove a cura de febres, doenças e cegueiras, inclusive com o uso de relíquias de São Francisco Saverio, para que os méritos não fossem atribuídos a ele. Afinal, como declarava, estava ali para curar espíritos e não corpos. Em uma pregação perto de Santa Maria Maggiore a chuva torrencial não alcançou suas vestes, muitos viram sua face radiante e as feridas causadas pela flagelação mostravam uma cicatrização milagrosa de um dia para outro. Por último, foi visto levitando enquanto orava. Havia casos também de previsão do futuro e de revelação de segredos (inclusive, no curso de uma confissão, de um aborto secreto, pág 142). Massei, contudo, admite que a previsão da eleição do cardeal Ottoboni para o papado não era assim tão miraculosa.

Encerradas as missões, longos roteiros de pregação nas áreas rurais de Gênova a Bologna, recolhia-se em algum colégio da ordem para escrever. Nesse ponto, o papa Inocêncio XII então o requsita para ser pregador em Roma, no Palácio, no Colégio de Cardeais e na Prelatura. Segneri chorou e lamentou, mas foi a Roma no princípio da Quaresma de 1692, como determinava a disciplina. Tão privilegiado foi por Inocêncio com atenção e dádivas, que já se imaginava uma promoção.

Raguagglio (capítulos XXXII a XXXIX)