quarta-feira, 17 de junho de 2009

con eu li posca far guirensa?


Suponhamos que você não acredite no Deus de Abraão e Jacó. Que Jesus não seja o filho de Deus de Abraão. A história da Paixão perde sua dimensão cósmica, mas seus fatos perduram. Jesus de Nazaré é um personagem histórico. Mesmo que seja um símbolo, mesmo que represente a soma de várias histórias, os homens que escreveram sobre Jesus de Nazaré o puseram na História, em uma cena com Herodes, com Pôncio Pilatos, um obscuro administrador romano. Suponhamos que você não acredite exatamente na história narrada pelos Evangelhos. Seus fatos, ainda assim, perdurariam. Sabemos que governos tirânicos executam brutalmente seus dissidentes, hoje e no passado. Sabemos que seus prisioneiros são torturados. Sabemos que homens morrem calmamente na defesa de seus ideais, no campo de batalha ou nas masmorras. Nesse exato instante, alguém morre brutalmente em defesa da liberdade, do bem comum, da igualdade. A história de Jesus nada tem de absurdo, nem de inverossímel. A Paixão seria, assim, a história de um homem que curou doentes, expulsou vendilhões da casa de Deus, prometeu um reino que não era desse mundo, não faz o mal, não promoveu a revolta política, suportou a tortura e a morte. Uma morte que inspirou fanatismos assassinos, arte, música, vocações generosas, o melhor e o pior. Suponhamos que você não acredita em Deus: ainda assim você pode meditar ao pé da Cristo Crucificado. A Cruz, para os seguidores de Cristo, é um símbolo de salvação; para os demais, esse sombrio instrumento romano de tortura, é um símbolo do destino humano. Em qualquer caso, mostra que a vida é sacrifício em nome de algo; um sacrifício misterioso quando é em nome do Bem, quando a vida é entregue sem interesse, uma dádiva livre para os demais. Em 1863, Ernest Renan, não mais um dos crentes, escreveu ao final da Vida de Jesus: "Plaçons donc au plus haut sommet de la grandeur humaine la personne de Jésus. Ne nous laissons pas égarer par de défiances exagérées en présence d'une legende que nous tient toujours dans un monde surhumain" (edição de 1895, pág 465).

Imagem: Ernest Renan.

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