domingo, 14 de junho de 2009

ni la vol neis trobar en via

Essas considerações razóaveis de Santo Antônio, um personagem respeitado mesmo pelas páginas ácidas de Gibbon sobre o monasticismo oriental, não parecem compatíveis com o profundo impacto de sua história no mundo das artes. As Tentações de Santo Antônio são o tema de geniais criações de artistas do porte de Bosch, Grunewald, passando por Jacques Callot e Salvador Dalí, até chegar a vários contemporâneos. Sem falar no romance filosófico de Flaubert, origem de tantas outras fascinações. Os monstros, aberrações e provações oferecidos à contemplação de um observador humano, criados desde o século XIV, povoam livremente as telas de cinema. Há razões interessantes para o poder dessa história e elas transparecem dos textos apresentados abaixo.

Vida de Antônio, parágrafos 51, 52 e 53:

51. Então ele encontrou-se sozinho no interior da montanha, consumindo seu tempo em oração e disciplina. E os irmãos que o serviam perguntaram se poderiam vir a cada mês trazer olivas, legumes e óleo, posto que era já um velho homem. Lá ele passou sua vida e suportou tais grandes lutas. “Não contra carne e sangue” (Efésios, vi, 12), como está escrito, mas contra demônios opositores, como aprendemos dos que o visitavam. Pois eram ouvidos tumultos, muitas vozes e o rumor de armas. À noite, eles viam a montanha cheia de bestas selvagens e ele lutando como se na presença de seres visíveis e orando contra eles. E aqueles que vieram a ele, ele encorajava, enquanto ajoelhado contendia e pedia ao Senhor. Certamente esta era uma coisa maravilhosa que um homem, sozinho nesse deserto, não temesse nem os demônios que se erguiam contra ele, nem a fereza das bestas de quatro patas e coisas assustadoras, pois elas eram tantas. Mas em verdade, como está escrito, ‘Ele acreditou no Senhor como o Monte Sião (Salmo cxxv. 1)’ com uma mente inabalável e imperturbada; e assim antes os demônios dele fugiam e as bestas bravias, como está escrito ‘guarda a paz com ele’ (Jô, v.23)

52. O Diabo, portanto, como diz Davi nos Salmos (xxxv.16) observou Antônio e cravou nele os seus dentes. Mas Antônio foi consolado pelo Salvador e continuou ileso diante de suas astúcias e seus instrumentos. Enquanto guardava a noite, o Diabo enviou bestas contra ele e quase todas as hyenas do deserto saíram de seus covis e o cercaram e ele estava no seu meio, enquanto todas tentavam mordê-lo. Vendo que eram um truque do inimigo ele disse a todas: ‘se tivésseis recebido poder contra mim, estava pronto a ser devorado por vós; mas fostes enviadas pelos demônios, ide-vos, pois sou um servo de Cristo’. Quando Antônio falou, elas fugiram, dispersas pela palavra como se pelo açoite.

53. Alguns dias mais tarde, enquanto trabalhava (poise ele cuidava em trabalhar duramente) alguém postou-se à porta e puxou a placa onde trabalhava, pois costumava tecer cestos, que dava aos que vinham em troca do traziam. Erguendo-se viu uma besta como um homem até a cintura, mas tendo as pernas e os pés como os de um asno. Antônio persignou-se e disse: ‘sou um servo de Cristo. Se fostes enviado contra mim, olhai, aqui estou’. Mas a besta junto com os espíritos malignos fugiu, com tal pressa que caiu e morreu. E a morte da Besta foi a queda dos Demônios. Pois eles lutaram por todos os modos para tirar Antônio do deserto e não foram capazes.

A curiosidade e a fascinação humanas diante do maravilhoso, a imaginação induzida pelo terror são tentações que nenhum grande artista consegue evitar. Uma aparição, uma visão é um chamamento ao combate, um avanço na direção do desconhecido. Talvez seja esse o segredo da luta de Antônio contra os seus demônios.


(Imagem: A Tentação de Santo Antônio. Martin Schongauer. c. 1480)

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