sexta-feira, 12 de junho de 2009

l'autra es cors e volontatz

A administração da própria vontade não é coisa trivial. O desassossego humano é fato concreto e cotidiano. A paz da alma é algo buscado com prioridade. A consultoria de saúde IMS Health, em seu relatório de 2008 sobre a venda de medicamentos nos Estados Unidos trouxe o dado decisivo: mesmo perdendo a margem sobre os medicamentos controladores de colesterol, os antidepressivos são, desde o início da década, os remédios mais vendidos em valor. Em 2003, a vendas de antidepressivos passavam de 207 milhões de dólares; em 2007, elas chegaram a 232.7 milhões. Sozinhos, representam mais de 6% do gasto com remédios nos Estados Unidos. Os controladores de colesterol vêm em segundo lugar, com quase 221 milhões, mas o terceiro lugar na lista também é sugestivo: codeína e combinados totalizam vendas de 186,1 milhões de dólares. Boa parte desses analgésicos certamente são usados para obter a chamada paz da alma.

As instruções oferecidas pelo site de aconselhamento médico PDR Health sobre a prescrição do principal antidepressivo, o Prozac, pareceria familiar para qualquer especialista do século XVII no estudo da Melancolia:

"Prozac é prescrito para o tratamento da depressão - isto é, uma contínua depressão que interfere com o funcionamento diário. Os sintomas de depressão maior incluem mudanças de apetite, hábitos de sono, coordenação mente-espírito, diminuição do desejo sexual, fadiga, sentimentos de culpa ou depreciação, dificuldades de concentração, pensamento lento e pensamentos suicidas. Prozac também é prescrito para tratar o transtorno obsessivo-compulsivo. Uma obsessão é um pensamento que não se vai; uma compulsão é uma ação repetida para reduzir a ansiedade. A droga também é usada no tratamento da bulimia e outras desordens da alimentação, inclusive obesidade.

Além disso, Prozac é usado no tratamento da síndrome do pânico, inclusive pânico associado com agorafobia e seus sintomas (taquicardia, dores no peito, suor, tremor, dificuldades de respiração). No caso de crianças e adolescentes, Prozac é usado no tratamento de depressão e do transtorno obsessivo compulsivo. Sob o nome de Sarafem, é usado também no tratamento da TPM, nos casos do mudança severa de humor, como ansiedade, depressão, irritabilidade ou raiva persistente e tensão".

Depois de guardar alguns instantes de respeito à notável qualidade literária da descrição médica, que parece extraída da pena de Robert Burton, pode-se meditar no paradoxo de uma sociedade livre e democrática, liberal em seus costumes, secular e tecnológica, rica e variada, onde o problema da paz da alma individual assume, por motivos reais ou imaginários, tal dimensão financeira e científica. É evidente que está no interesse das indústrias farmacêuticas ampliar a dimensão da depressão humana; é evidente que o indivíduo precisará de grande inteireza moral para não busca no medicamento o alívio para o menor dissabor, a mais pálida contrariedade. Não é surpresa, portanto, que o consumo recreativo do Prozac seja uma realidade. Traços do medicamento podem ser encontrados na água dos lençóis freáticos da Inglaterra, levados pelo sistema de esgotos.

Rir do ridículo da humanidade é uma antiga profissão filosófica, mas não chega a ser o melhor fecho para o comentário desses fatos. Talvez seja mais interessante considerar os homens dispostos a enfrentar a melancolia e conquistar a paz da alma sem a ajuda de medicamentos ou de seu equivalente pré-moderno - a magia. Em 1580, o frei Juan de Bonilla escreveu um notável tratado cujo título vai abaixo:




Bonilla recomenda uma delicada ascese da vontade:

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