terça-feira, 29 de março de 2011

come preziose Relique

Convocado a Roma em dezembro de 1692, Segneri vive na cidade seus últimos meses de vida. Logo que chega, é feito Teólogo da Sacra Penitência e Examinador de Bispos, mas pede como favor pessoal ser dispensado dessa última tarefa, assim como de fazer as prédicas da Quaresma diante do Papa. Aos setenta anos, não sente o mesmo vigor. A saúde declina rapidamente a partir de julho de 1694, por conta de uma moléstia hepática, denunciada pela cor amarela que assume sua pele. Os cardeais preparam-se para o pior, mas Segneri não perde a bonomia. Visitado pelo cardeal Albani, futuro Papa Clemente XI, pergunta se não há algo que possa fazer por ele "no outro mundo".

Após alguns dias de agonia, falece no dia 9 de dezembro de 1694. Imediatamente, é ordenada a confecção de seu retrato, logo enviado a Príncipes e dignatários religiosos. O Grão Duque da Toscana mantinha sua cópia em seu gabinete de trabalho. Foi sepultado no cemitério dos noviços de sua ordem.

Raguagglio (capítulos XL a XLIV)

sexta-feira, 25 de março de 2011

O! câte lupte, câte suspine

A idéia de que nosso corpo pertence ao Criador, que por ele pagou com seu sangue, e que deve ser destinado a um objetivo espiritual superior soa claramente hostil para uma mentalidade moderna. Na verdade, mesmo o cuidado com o corpo para conquistar uma vida saudável perdeu sua centralidade nos dias que vão. A obesidade tornou-se uma endemia mesmo em países de renda média e há tempos as cirurgias plásticas, de caráter cosmético, passaram a representar uma fração importante da atividade médica no Brasil e no mundo. Poderia mesmo parecer que o corpo humano foi transformado em mero objeto, em instrumento a ser usado com base em critérios utilitários. Nem isso, contudo, é completamente correto.

A realização de transplantes - um fato distante do horizonte mental dos tempos de Segneri - poderia comprovar uma face positiva dessa realidade. Sendo estritamente nosso, poderíamos abrir mão de nosso corpo quando este não mais fosse útil - na morte. Curiosamente, essa consideração utilitária não pesa sobre a doação de órgãos. Qualquer estatística sobre o tema, mesmo em sociedades tecnologicamente capazes de aproveitar a generosidade de um doador, mostra um difícil cenário.

Basta conferir os números oferecidos por http://www.donatelifeny.org/about-donation/data/. Nos Estados Unidos, mais de 110 mil pessoas esperavam por doações de órgãos como corações, rins, pâncreas, pulmões, fígados e intestinos.  Por ano, de todas as causas, falecem nos Estados Unidos cerca de 2,5 milhões de pessoas. Mais de 120 mil pessoas morrem de acidentes. Ainda assim, em 2009, houve apenas 8 mil doadores falecidos naquele país.

Na verdade, o número de doadores mostra-se estável na primeira década do século XXI:




O panorama não é diferente em outros países. Na Inglaterra, com população menor, houve 2 mil doadores falecidos em 2009 para um número de mortes em torno de 500 mil. Campanhas permanentes de saúde pública pedem o registro como doador de órgãos, mas o deficit é permanente.

É como se, subitamente, no momento da morte, a idéia pragmática do uso do corpo fosse substítuída por um preconceito religioso, fundamentado na idéia da santidade do corpo. Na verdade, quase todas as religiões oficiais, como alerta o sítio acima citado, apoiam a doação de órgãos. O estabelecimento de alguma forma de doação compulsória, por sua vez, é impensável em uma sociedade democrática.

Este cenário causaria espanto a Paolo Segneri: não queres dar seu corpo nem a Cristo, nem a seu semelhante? Preferes que vermes o comam? O que será de tua alma, perguntaria o jesuíta.

domingo, 20 de março de 2011

An nescitis, quonian non estis vestri?

Considera quanto à vero, che non sei tuo, mentre il Signore ti hà comperato a prezzi si alto, qual è quello del sua sacratissimo Sangue. E queres dispor de ti como te apraz! O Senhor tinha alguma necessidade de comprar-te? Nenhuma. Considera a prodigalidade que usou o Senhor em comprar-te! Se visses alguém que podendo comprar uma jóia por mil escudos e desse ao vendedor dez mil não o julgarias enlouquecido pela alegria de possuir tal jóia? E no entanto quis dar a sua vida pela tua em meio a tanta carnificina. Deves, portanto, assim dedicar teu corpo a Deus; por isso deves cuidar de tua alma. Che pensi a salvar l'anima si, ma per quel cagione? Perch'elle non à tua, ma del tuo Signore. Questo è il motivo più nobile per cui possi fuggir l'Inferno: per custodire a Giesù tutto ciò ch'è suo.

(xv marzo... An nescitis, quonian non... I Cor.6.19.20)

segunda-feira, 7 de março de 2011

Din cupa desfatarei amaraciunea naste

Não deve passar sem registro, ainda sobre a soberba, uma caminho propriamente moderno para a compreensão de seu caráter nocivo e para sua correção: a percepção da solidariedade íntima da vida social. Schimmel (Os Sete Pecados Capitais, 1997) narra o caso de uma de suas clientes, uma profissional bem sucedida e arrogante que, subitamente, como consequência de um acidente de carro, viu-se no chão de uma estrada, perdendo sangue e a consciência. No curso de poucos minutos, estava implorando por ajuda de paramédicos e policiais que, em circunstâncias normais, não mereceriam sua atenção pessoal: "ela, que acreditava em sua superioridade deu-se conta de funções sociais mais importantes que a dela, cumpridas por homens menos educados, culturalmente sofisticados ou bem sucedidos economicamente. Eles salvam vidas, aliviam a dor e o sofrimento. Ela nunca fez tais coisas. Esta lição foi um poderoso corretivo de sua soberba." (pág 54).

A conclusão de Schimmel merece ser citada: "Estas reflexões permitiram que minha cliente mantivesse o compromisso com a humildade apesar da perda de sua fé. Dados os custos pessoais e sociais da soberba e a recompensa da humildade, muitas pessoas que não vêem a si mesmas como religiosas ou piedosas podem concordar que a arrogância é um vício pernicioso a ser evitado e a humildade uma virtude digna de ser cultivada. Mais humildes somos, mais humanamente nos relacionamos com os outros, como indivíduos, grupos ou nações".