quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Viata e o lupta, o drama variata

Dentre as legendas de São Gregório, o Grande, nenhuma reflete melhor a delicadeza de seu espírito e o momento de afirmação pacífica do Cristianismo na cidade de Roma do que a salvação da alma do Imperador Trajano. Passando por seu grandioso forum, Gregório recordou o episódio em que, antes de partir para uma de suas guerras, Trajano atendeu uma viúva, que pedia justiça para seu filho morto: "Senhor, e se não voltares? Quem me fará justiça?". Então, orou pela salvação da alma de Trajano, em memória dos versos de Isaías (1, 16-17). De fato, um anjo informou a Gregório que a alma do Imperador havia sido libertada do inferno para seguir ao purgatório e, depois, aos céus, mas advertiu que graça dessa natureza não seria atendida novamente...O episódio, narrado na primeira biografia de Gregório, escrita no monastério de Whitby no ano de 713, teve uma longa trajetória literária e artística e tendo sido incluído na Divina Comédia (Purgatório, Canto X).



Igreja de São Gregório, o Grande.
Monte Célio, Roma.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

São Gregório Magno

São Gregório, o Grande (540 – 12/3/604), Papa e Doutor da Igreja, não pertence apenas à história dos santos. O personagem invocado de forma tão graciosa por Paolo Segneri conquistou um lugar importante na história da Itália e do Ocidente. Em determinado momento, ele entendeu que o Imperador, em Constantinopla, não teria mais o comando da Itália e das regiões da Europa sob a autoridade espiritual de Roma. Caberia ao Papa enfrentar os Lombardos e todas as outras forças temporais que desejassem impor sua vontade sobre a antiga cidade e à sua santa Sé. Não estava escrito, contudo, que assim seria.

Até os 30 anos de idade, herdeiro de uma família nobre de Roma, com posses na península e na Sicília, andava pela cidade na função, vagamente honorífica, de prefeito, com as suntuosas vestes do cargo. Subitamente, uma crise pessoal levou-o, como outras pessoas de sua classe, à vocação monacal. Não eram aqueles anos tranqüilos e Gregório recolheu-se, em 574, ao mosteiro de Santo André, construído sobre a casa de sua família no monte Célio, em Roma.

O mundo, contudo, não podia dispor de Gregório. Em 578, o Papa Pelágio II o torna diácono em Roma e no ano seguinte envia-o como parte da embaixada ao Imperador Tiberius, em Constantinopla, em busca de ajuda para enfrentar os Lombardos. De pouco adiantou a embaixada, mas Gregório enfrentou uma polêmica teológica que já mostrava o afastamento entre o sentimento religioso de latinos e gregos e entendeu que não era possível esperar muito da corte imperial. De volta a Roma em 585, recolhe-se novamente. É feito abade de seu convento, dedica-se à sua obra religiosa e promove missões de evangelização. Os tempos são difíceis, contudo, uma série de desastres naturais afeta a cidade de Roma e a Itália, culminando com a morte do Papa Pelágio II em 590. Gregório não consegue evitar sua própria eleição.

Seus quatorze anos de pontificado representam um marco em várias dimensões diferentes. Sua ascensão trazia um membro da elite romana para o comando do Papado e Gregório decide atender de forma consistente as demandas espirituais e materiais da população. Dá maior organização ao culto, à missa e, possivelmente, à sua música, e promove uma ampla reforma na administração do patrimônio da Igreja. Deu, inclusive, o passo decisivo ao substituir os administradores laicos por religiosos, o que diminuiu consideravelmente o risco de apropriação familiar dos bens eclesiásticos. Também promoveu a disciplina interna da Igreja, em matéria de comportamento e a primazia de Roma na relação com os demais bispados, inclusive o de Constantinopla. Em 592, descrente da ajuda imperial, organiza a defesa militar das cidades sob sua autoridade, firma uma trégua com o senhor lombardo de Spoletto e, no ano seguinte, com o próprio Agilulf, o rei dos Lombardos na Itália, evitando uma nova tomada de Roma.

Faleceu em 12 de março de 604, atormentado pela doença e pelas trágicas turbulências de seu tempo. Sepultado na Igreja de São Pedro, descansa, desde 1605, na capela de Clemente V. Um personagem de tal dimensão sempre foi cercado por dezenas de lendas e milagres, sendo habitualmente representado com toda a glória das vestes pontificais. Seu emblema é a pomba que, segundo relatos, surgia e com ele se comunicava quando escrevia suas obras. A melhor definição de sua dimensão talvez seja aquela reportada pelo epitáfio anotado pelo venerável Beda, que chamava Gregório de “cônsul de Deus”, pondo a magna autoridade da república romana na cadeira de São Pedro.


São Gregório, o Grande, (Carlo Saraceni, c.1610)
Galleria Nazionale d'Arte Antica, Roma.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Fa ca în tot-d'auna pe a virtutei cale

A meditação do dia 12 de março oferece uma pequena janela de onde se contempla o sutil pregador Paolo Segneri. Ele está bem a par das contradições implícitas quando se busca, ao mesmo tempo, a atenção de Deus e atenção dos homens. Um ritual muito espalhafatoso ou uma missa popular, planejadas para atrair o fiel, são realmente o culto devido a Deus? Depois de tanto trabalho e tantas concessões, será mesmo seguro esse amor dos homens? Segneri crê que não e oferece sua receita: o poder do exemplo. Com suas sete condições sugere ser possível agradar a Deus e, ao mesmo tempo, apontar o caminho da salvação aos homens. Nem assim, contudo, alguém está a salvo da maledicência humana. O mero exercício da mais modesta virtude incomoda a muitos e provoca o ressentimento de tantos. Assim foi com São Gregório, sentado no trono de São Pedro, que, como o Sol, aborreceu a muitas aves noturnas.