sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Christi servus non essem

Considera quanto sia difficultoso, di potere insieme piacere a gli huomini e a Cristo, mentre nemeno ciò si promise l'Apostolo delle genti. É necessário superar contradições e contrastes para honrar a Deus e, assim, como se pode agradar aos homens? Três péssimas condições tem o amor dos homens: é difícil de conseguir, fácil de perder e pode fazer mais mal que bem. Pode-se buscar o amor dos homens oferecendo a salvação, mas não há que se preocupar muito com isso. Afinal, queres agradar a Deus ou aos homens? Queres conquistar o amor de Deus ou o amor dos homens? Um desejo de agradar os homens está na raiz da idolatria; outro desejo de agradar os homens é para atraí-los a Deus. Mas agradar apenas se for ocasião de edificação. Não deves ser zotico, incivil, indiscreto para que esses vícios são sejam atribuídos à Virtude. Sete são as formas de agradar de forma virtuosa: (i) sabedoria no falar; (ii) prudência no aconselhar; (iii) a mansidão em responder; (iv) modéstia quando em condição próspera; (v) fortaleza nas coisas adversas; (vi) liberalidade com aqueles com quem se vive; (vii) piedade com com aqueles que estão mortos. Todas elas se encontravam em São Gregório. Vero è che modo da piacere anche à gl'invidiosi non v'é. Ma ciò che rilieva? Non però San Gregorio rimase al fin di risplendere ognor più illustre nel Trono del Vaticano, perche vi furono alcuni, i quali mostrarono a lui quell'aborrimento, che da gli ucelli nortuni si mostra al Sole.

(marzo xii, an quaero homibus placere... ad. Gala. I. 10)

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Pacea adanca 'mi ai rapit

A intenção de pecar, aqui associada por Segneri ao pecado contra o Espírito Santo, diretamente condenado por Jesus no Evangelho, recebeu aqui uma descrição jurídica familiar: a figura da mens rea ou a mente ré. No direito costumeiro anglo-saxão, um ato não faz de alguém um culpado se a mente não for culpada; no Código Penal Brasileiro (artigo 18, inciso I) uma ação é dolosa quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.

Segneri segue apenas um caminho fácil, contudo, porque são conhecidos os paradoxos do dolo. Basta a consideração, quase clássica, do atirador de facas para entender que a ameaça à vida de outra pessoa pode assumir contextos muito variáveis. O atirador treina para não ferir ninguém, ainda que possa, por vontade própria, fazê-lo. O alvo do atirador de facas assume essa condição por vontade própria, consciente dos riscos. O espectador soma uma dimensão a mais ao cenário. Sem ele, o evento não aconteceria. É o mesmo caso de um motorista que, para salvar alguém, excede a velocidade, contraria as leis do trânsito e termina acidentando um terceiro.

Transpondo a figura para o contexto teológico, é fácil perceber que, como o pecado é confirmado apenas pela sua ocorrência, expor-se a situações pecaminosas poderia refletir apenas um desejo de testar-se espiritualmente ou a confiança na capacidade própria de resistir ao pecado. Quanto ao alvo – o pecado – claro está que busca atrair o pecador para a falta: no cenário do atirador de facas, o pecado move-se, atrapalha a concentração do atirador, influi sobre sua disposição de não ferir. Por fim, nada de ruim aconteceria se Deus – o espectador – não propiciasse a ocasião para o homem ser testado pelo pecado.

O argumento do pecador hipotético, meramente mencionado por Segneri, tem lá sua força. O dolo é quase sempre ambíguo e, no Purgatório, os pecados mortais serão afinal cancelados. Quanto aos veniais, também sua culpa será apagada.


quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Quicunque dixerit verbum contra filium hominis

Considera, che chiunque pecca, ò pecca per fragilità, ò pecca per ignoranza, ò pecca per malizia. O primeiro se opõe ao Pai; o segundo, ao Filho; o terceiro, ao Espírito Santo. Este é irremissível. Uma coisa é ser alcançado pelo Pecado de forma impetuosa; outra é fazê-lo reinar e, assim, amá-lo. A vontade não é tão fácil de curar como o apetite ou o intelecto. É cativa porque deseja ser cativa. Este é o Pecado sem perdão, incurável. E o problema é que muitas vezes pensas pecar por fragilidade, mas é por malícia. Ou pecar por ignorância, mas é por malícia. Porque te colocas em uma posição de fragilidade; porque te recusas a estudar. Não compareces a prédicas; buscas confessores ignorantes, conselheiro infiéis. Não admira que tantos sejam danados por esse engano. Fratanto mentre odi, che v'è peccato, il quale non è rimesso, ne nel secolo presente, ne nel futuro, quindi argomenta, che v'è nel futuro secolo Purgatorio, dove cancellansi i peccati mortali, quanto alla pena, e veniali non solo alla pena, ma quanto ancora alla colpa.

(marzo xi, Quicunque dixerit verbum contra filium hominis... Mateus 12, 32)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

40

Quase todas as virtudes desta severa legenda estão associadas ao conceito de número. Os quarenta mártires foram soldados romanos de Legião XII Fulminata, mortos no ano de 320 em Sebaste, na Armênia, no curso da perseguição ordenada pelo Imperador Licínio (263-325), e sua história é contada em uma homilia do bispo Basílio de Cesaréia (370-379). Tendo confessado sua fé cristã, em um número que desafia uma identificação pessoal e sugere a força da conversão maciça, eles foram condenados à exposição, nus, em um lago, na mais fria noite. O prefeito da Legião somou ao frio do martírio a promessa de banhos quentes, preparados bem perto ao lago, para os que abjurassem. De fato, um dos soldados não resiste e abjura de sua fé. Nesse momento, uma estranha luz cai sobre os mártires. Uma sentinela, que guarda os mártires, a vê, joga fora suas roupas e mergulha na água gélida para morrer com os outros e restaura a simetria dos quarenta. Na manhã seguinte, seus corpos, os mortos e os ainda vivos, são queimados e suas cinzas espalhadas.

O relato, o sadismo, o número de vítimas e os cadáveres queimados podem recordar horrores do século XX. Sua retórica numérica vai, contudo, além de um massacre anônimo e sem face. Um, dentre eles, traiu e abjurou. Outro, vendo o sacrifício, abraçou a promessa da Fé. A pergunta de Segneri, portanto, não é quantos somos, em qualquer dos lados, mas "em que lado estamos"?

Esse tipo de horror e de conversão entre soldados não é privilégio dos primeiros séculos, nem, talvez, da fé em Cristo. Glenn Gray, um estudante de filosofia que lutou na França como oficial de inteligência do Exército dos Estados Unidos narra que, em agosto de 1944, interrogou um soldado alemão que, depois de participar de algum ataque a civis na França ocupada, desertou e lutava ferozmente ao lado dos resistentes franceses. Gray suspeita que o episódio que levou à sua deserção foi o macabro massacre de Oradour. Diante do horror generalizado, viu alguma luz estranha, abjurou e mudou de lado. Não foi o único:

“In the Netherlands, the Dutch tell of a German soldier who was a member of an execution squad ordered to shoot innocent hostages. Suddenly he stepped out of rank and refused to participate in the execution. On the spot he was charged with treason by the officer in charge and was placed with the hostages, where he was promptly executed by his comrades."  J. Glenn Gray. The Warriors. Reflections on Men in Battle, 1959. págs 185-186.



Igreja dos Quarenta Mártires. Bitola. Macedônia