sábado, 31 de dezembro de 2011

Oh che vergogna sara mai la mia

Nanti continua examinando em detalhe o comportamento de Segneri diante da consciência aguda de ser um pecador e das dúvidas sobre sua salvação. As penitências mais drásticas podem surpreender um leitor moderno, mas a narrativa é equilibrada e realista. Segneri estende-se, por exemplo, pelo que poderia ser descrito como fantasias de martírio, como o desejo de ser raptado e aprisionado por bandoleiros (um fato ordinário na Itália de então) ou ser capturado pelos turcos e feito escravo.

As menções aos cilícios e às flagelações rotineiras são compensadas pelo reconhecimento de que dormia as seis horas regulares e não tinha condições de manter um jejum prolongado. Certa vez, durante uma missão, deixou de comer e teve febre. Depois do episódio, manteve a escala regular de refeições, abstendo-se apenas de "pratos mais saborosos". Da mesma maneira, usava uma roupa rude, feita de pelo de cabra, quando em missões ou no seu trabalho diário da Ordem, mas quando foi forçado a viver em Roma, o calor do verão o levou a mudar sua vestimento. O hábito simples que usava, sem maior proteção, fazia-o padecer no inverno. Ele mesmo reconhecia sua sensibilidade ao frio.

Após seu falecimento, encontraram uma corrente de anéis de ferro aguçados com trinta e cinco palmos: com ela envolvia praticamente todo o seu corpo.


Raguagglio, capítulos LXII a LXV.



Cilício italiano do século XIX

Ca fantome de mari secoli pe eroi loru jelesc

Não se pode negar a Segneri um fino sentido de ironia, diretamente ligada à sua longa observação dos seres humanos. O amor de Deus, por exemplo, expresso na Encarnação, imediatamente põe em questão o amor dos Homens. Amar a Deus ou apreciar o amor de Deus pode ser problemático para muitos, mas esses mesmos muitos amam com facilidade um cavalo ou um cachorro. Ou um plátano.

O amor de Deus também revela uma estranha troca: que Deus tem a ganhar com o amor pelos Homens? Doar uma jóia, como ele escreve, não diminui a jóia; mas trocá-la por um pedaço de pão certamente a avilta. Deus, no entando, trocou seu Filho pelas almas dos Homens.

Como é possível entender o amor de Deus? Apenas os santos, no Paraíso, o compreendem, diz Segneri.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Sic Deus dilexit Mundun

Considera attentamente l'altezza somma di questa sentenza, la quale uscita dalla bocca di Cristo, contiene in se più miracoli, che parole. Que Deus ame a si mesmo, não é de espantar, mas que ame algo fora de si é estupendíssimo, tanto mais quanto se considera quanto de bom há fora de si mesmo. Mesmo as coisas que, em si estão mortas, em Deus estão vivas. Ele pode iluminar sem o Sol, pode refrigerar sem a água. Em si, tem todas as perfeições. Que grande prodígio é que ame algo fora de si! E ama o gênero humano! Muitos amam coisas estranhas: pássaros, cães, cavalos. Houve um que se enamorou de um tronco de plátano. Mesmo que isso acarretasse alguma servidão, algum benefício colhiam. Mas Deus, que benefício pode colher de seu amor? E amou o Mundo, a todos; não a alguns. E também não ama, mas amou, desde sempre, desde a eternidade. E deu seu Filho, que era Deus. Não como os homens. Um Filho unigênito. E deu. Uma jóia rica pode ser doada a um personagem vil sem aviltá-la; mas não se pode, sem aviltá-la, dar em troca de nada ou por chumbo ou um pedaço de pão. E Deus deu seu Filho em troca da alma dos Homens. É um amor compreendido apenas pelos Santos, que já estão no Céu. Che son le quattro dimensioni medesime, considerate da noi nell'amor Divino, conforme il lume somministratoci da queste gran parole di Cristo: Sic Deus dilexit Mundum, ut filium suum unigenitum daret, che ben potrai meditare per tutta la tu vita con perpetuo pascolo.

(marzo xxv ... Sic Deus dilexit.... João, 3, 16).