segunda-feira, 8 de junho de 2009

aquel avangelis dures

A idéia religiosa de um conjunto finito de ações intrínsecamente maléficas, definidas de modo comportamental, distintas dos mandamentos divinos, merece toda a atenção por seu aspecto numérico, mas seu fascínio também pode ser derivado de uma tradução ao domínio secular. Todos sabemos que limitar a análise moral dos padrões de comportamento ao plano legal é quase inocência. O Direito é aquilo que a sociedade decide ser o Direito, escreveu Kelsen, não havendo razões para duvidar. De outro lado, o imperativo categórico e o princípio da utilidade são instrumentos poderosos demais para captar as sutilezas do exercício dos pecados cristãos. Em que ponto a gula é condenável? Gula é uma realidade humana diversificada demais para ter um julgamento ético definitivo pela utilidade ou pela norma universal.

Nenhum deles capta o sentido último da gula em sua persuasão íntima. Em que ponto a emulação se transforma em inveja? Resumiria aqui os paradoxos dos conceitos vagos: em que momento uma mera obsessão sensorial se transforma em uma transgressão, intimamente reconhecida como tal? Talvez seja uma pergunta sem resposta, mas é certo que existe a percepção subjetiva desse limite.

A experiência contemporânea reconhece essa fronteira do abominável, mesmo quando ela não é regulada pela legislação positiva. Em vários sentidos práticos, os pecados existem: ações que repugnam mesmo a uma consciência secular. A Inveja, por exemplo, não é objeto de legislação penal; afeta apenas ao seu portador; mas é inegável a repulsa social ao invejoso e, muito mais importante, a radical recusa a auto identificar-se como invejoso.

Um livro recente do jesuíta Giovanni Cucci, Il Fascino del Male, traz uma sugestão interessante: o conteúdo de todos os pecados mortais, em suas versões canônicas ou modernizadas, é uma forma de obsessão, de teimosia, de incapacidade de olhar para além de seu próprio horizonte. Essa teimosia é a mesma de Satã, que se recusou a adorar o Homem.

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