domingo, 14 de junho de 2009

les sieus cantars plac mout a toz

A explicação religiosa de visões, vozes e outras alucinações pode ser bem menos paradoxal e complexa do que as explicações científicas e seculares. A crença em Deus oferece uma trama que parece, à primeira vista, fantasiosa, mas termina oferecendo uma notável terapia racional.

O primeiro e mais brilhante teórico das aparições é Santo Antônio, ao menos o Santo Antônio descrito na Vida composta por Santo Atanásio. Em um longo discurso inserido no texto, uma instrução dada a seus companheiros de monasticismo, Santo Antônio oferece, em primeiro lugar, uma taxonomia das manifestações problemáticas das forças do mal: geram maus pensamentos, produzem imagens de mulheres, de bestas selvagens, seres assustadores, corpos gigantescos, tropas de soldados, podem se mostrar a grandes alturas, podem profetizar e prever o futuro imediato (Antônio explica o porquê, sem negar o fato), imitam a voz humana e o som da harpa, repetem em eco o que é lido, acordam os monges à noite, invocando-os à oração, assumem a aparência de monges e de homens santos, riem, fazem ruídos, assobiam, cantam e recitam a escritura, aparecem como soldados armados, cavalos, bestas, carregam falsos lumes à noite, etc.

Não é difícil concluir que Santo Antônio produziu uma notável redução epistemológica: qualquer sinal sensorial pode ser uma manifestação das potências do mal. O conteúdo das aparições, vozes, visões deve ser analisado com outros critérios.

Um primeiro é sua brevidade. Eles geralmente "aparecem e somem". Um segundo é sua falta de resistência diante da descrença. Se não têm atenção, "choram e lamentam". São como "atores no palco, usando suas formas para assustar as crianças". Um terceiro é sua comparação com as manifestações das potências do bem. Sabedoras de sua presença excepcional na vida dos homens, elas avisam de suas intenções. Como disse o Anjo: "Não temas, Zacarias".

O combate espiritual começa, portanto, com o exame da natureza das aparições, de acordo com esses critérios, e é consumado pela lição de Jesus Cristo: as aparições das potências infernais não receberam o poder de fazer o mal. Só ganham força se nos dominam pelo medo.

Santo Antônio recomenda sempre a paz da alma diante das alucinações. Não acreditem nelas, diz o homem santo, não receberam poder de fazer o mal sem nosso assentimento, indaguem de suas intenções, invoquem a proteção do Senhor. Tudo se desvancerá.

Não há no texto composto por Atanásio nenhuma mandinga, nenhuma superstição, nenhuma fórmula mágica, nenhum preparado ou poção para combater os demônios. Apenas observações práticas sobre os tipos de ilusão que podem afetar nossa mente, uma lição extraída da Escritura, baseada na Ordem criada por Deus, e a recomendação de inquirir os seres e entidades manifestos.

Vida de Santo Antônio, parágrafos 41 e 43:

41. ‘E posto que me mostrei tolo ao detalhar essas coisas, recebam esta ainda como ajuda para sua segurança e destemor; e acreditem-me, pois não minto. Uma vez alguém bateu à porta de minha cela e saindo vi um que parecia de grande tamanho e altura. Então, o inquiri: ‘quem sois?’; ele retrucou: ‘sou Satã’. Disse: ‘porque estais aqui?’; ele respondeu: ‘por que os monges e outros cristãos de mim tanto reclamam sem que o mereça? Por que me amaldiçoam a cada hora?’. Respondi: ‘por que os atormenta?’; ele disse: ‘não sou aquele que os atormenta, eles atormentam a eles mesmos pois me tornei fraco. Não leste (Salmo ix.6) ‘As espadas do inimigo chegaram ao fim e tu hás destruído as cidades?” Não tenho mais um lugar, uma arma, uma cidade. Os Cristãos estão em toda a parte e mesmo o deserto está cheio de monges. Deixa que cuidem deles mesmos e não me amaldiçoem’. Então me maravilhei com a graça do Senhor e disse a ele: ‘Fostes sempre um mentiroso e jamais dizeis a verdade até aqui, pois mesmo contra vossa vontade, dissestes a verdade. Pois a vinda do Cristo a vós fez fraco, ele vos derrubou ao chão e retirou vossas vestes’. Ouvindo, porém, o nome do Salvador e não sendo capaz de suportar o queimar por ele provocado, desvaneceu no ar’.

43. E para seu destemor contra eles guardem este signo certo – sempre que houver uma aparição, não se prostem com medo, mas o que quer que seja primeiro perguntem: ‘quem sois’? De onde vindes? Se for uma visão dos santos, eles dirão e seu medo se mudará em alegria. Mas se a visão vem do Diabo, logo se torna fraca ao ver o firme propósito de sua mente. Pois meramente perguntar ‘quem sois?’ e ‘de onde vindes?’ é prova de frieza. Assim perguntando, o filho de Nun aprendeu quem era seu auxiliador; nem escapou o inimigo da inquirição de Daniel.

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