terça-feira, 31 de maio de 2011

Quando i soldati de Oloferne

"Havendo eu (diz em um de seus preciosos fólios) indagado esta manhã ao Senhor após a Santa Missa que se dignasse a sugerirme qual afeto depois da Comunhão fosse mais conveniente e mais próprio exercitar para dar-lhe gosto (já que bem sei que não se deve entreter o homem em discursos com o intelecto, mas em operar com a vontade, nem se deve, enquanto temos Deus dentro de nós estultamente procurá-lo fora de nós) me pareceu que sobretudo deve ser o sentimento do estupor. A reverência é pouco, a humildade é pouco, o amor é pouco. Uma maravilha, a maior de todas, que é assim demandada, memoriam fecit mirabilium suorum; não parece que melhor requeira do que maravilha. Deus a mim? Deus comigo? Deus em mim? Que posso eu fazer pensando nisso se não restar atônito, morto, restar absorto em um infinito estupor?"

Raguagglio, capítulo LII, págs 202 e 203.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Pe domnul Elephant, cu inasul invêrtit

Dentre os pesadelos criados pela literatura, poucos são tão sombrios quanto o tormento que recai sobre os Struldbrug, habitantes da ilha de Luggnagg. Tal como os descreve Gulliver, o viajante, os Struldbrug são imortais, mas continuam cumprindo o destino da carne, que é envelhecer. Nessa condição cada vez mais decrépita, tornam-se vulneráveis a eventos de terrível sordidez. Cair em um poço pode se transformar em uma tortura infinita.

O problema, como nota Segneri, é a carne. Enquanto isso, as utopias médicas contemporâneas vendem aos tolos uma juventude infinita, incompatível com o conceito de carne. A retórica das paixões libertadoras condenam todos a um amargo fim, que raramente se vê nos cinemas. Uma espécie de morte civil, como a que acometia as criaturas de Swift. Qualquer hipótese futurista sobre a juventudade eterna apenas viola a estrutura da condição humana. A mortificação, nesse sentido, é uma resposta mais consistente.

O poder da amarga imortalidade da velhice ganhou uma versão inesperada e arguta em um filme recente, The Hunger (1983). No roteiro de James Costigan, Ivan Davis, Whitley Strieber e Micahel Thomas, os vampiros hedonistas - uma metáfora dos adultos-crianças modernos que não querem envelhecer e se alimentam de mitologias crepusculares - terminam alcançados pela moléstia da carne, a que mais temem: a decrepitude. Imortais, não conseguem, contudo, morrer. Vegetam em um sótão.



David Bowie como John Blaylock, em The Hunger

terça-feira, 24 de maio de 2011

qui sunt Christi, carnem sua

Considera qual è il contrasegno di essere caro a Cristo. Não é operar milagres, predicar, profetizar, ser um doutor do Mundo, mas ser mortificado. E é preciso querê-lo. A mortificação é tomar a Cruz, de forma constante, dolorosa. Não é bom médico aquele que não vai à raiz do mal: a carne. É preciso domar a carne com penitência ou queres apenas acariciá-la? E a mortificação exterior de pouco vale: do que serve curar a febre e não o que causa a febre? Quais são as paixões que mais reinam em ti? Procura conhecê-las para poder mortificá-las. Podem até estar vivas, ao menos vivam na Cruz. Quanto aos vícios, grandes ou pequenos, não basta pô-los na Cruz: há que modificá-los. A questo ancora col favore Divino tu porrai giungere.

(marzo xvii, qui sunt Christi, carnem sua aos Gálatas. 5. 24)