sexta-feira, 29 de julho de 2011

At si forte eadem est ulmo coniucta marito

Sobre a figura do casamento do elmo e da vinha, empregada por Segneri:

“Mas existem, creio, certos elementos retóricos de tipo botânico que se desenvolvem fora da esfera virgiliana. Nas páginas seguintes, gostaria de tratar do tradicional motivo do olmo e da vinha (sugerindo a verdadeira união do marido e esposa) como um topos distinto da literatura ocidental desde o primeiro século antes de Cristo até os tempos modernos. Como veremos, o topos do olmo praticamente não muda em seu significado marital de Catulo (87-58) a Heinrich Von Kleist (1777-1811). Ainda que ocasionalmente associado com motivos paralelos de significado similar e adquira conotações particulares nos primeiros tratados teológicos cristãos, assim como nos livros de emblemas da Renascença, ele constantemente sugere, para escritores de várias eras, uma idéia e um ideal de casamento e ilustra o fato de que, na literatura do Ocidente, é um lugar comum retórico verdadeiramente aere perenius. Peter Demetz, “O Olmo e a Vinha: notas sobre a história de um topos relativo ao casamento” Transactions and Proceddings of the Modern Laguage Association of America, vol 73, n. 5, dezembro de 1958.

A poesia de Catulo é o Carmen LXII. Em: http://rudy.negenborn.net/catullus/text2/l62.htm há o texto original e várias traduções. É vasta também a iconografia deste topos.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Cât sânge aste locuri setóse îngitira

Não é fácil resumir todas as implicações da comparação feita por Segneri entre a modéstia exigida daqueles que servem a Deus e o exemplo de São José, santo comemorado no dia 19 de março.

A hagiologia empregada no texto, por exemplo, é surpreendentemente precisa. A figura de São José, de fato, permaneceu ausente do culto católico por séculos, uma situação descrita de forma dramática por Sandra Miesel: “Imagine um mundo onde nenhum cristão recebe o nome de José, onde nenhuma igreja ou organização religiosa traz seu nome. Imagina São José ausente da Missa, do Breviário, do Calendário da Igreja e da Litania dos Santos. Nenhum sítio sagrado, nenhuma devoção especial, nenhum hino, nenhuma imagem própria, nenhum costume popular, nenhuma refeição festiva faz homenagem a São José. O mundo sem São José foi a Cristandade até o século XIV. Até esse ponto, São José foi completamente ignorado, reduzido a um carregador de estandarte no cortejo da Salvação” (Sandra Miesel. “Encontrando São José”, em CatholicCulture.org, 2002).

Por outro lado, Segneri omite cautelosamente as razões desse esquecimento. Ele nada teve a ver com alguma modéstia pessoal ou com uma reflexão moral sobre sua figura. Trata-se de uma conseqüência teológica inevitável da Encarnação, agravada pela rápida emergência do culto de Maria como a mãe de Deus. A necessidade de defender sua pureza fundamental deixava o seu casamento terreno em dúvida, uma vez que a lei judaica, por exemplo, não reconhece a validade de casamentos não consumados. Para complicar o cenário, era a lei romana que reconhecia o casamento meramente legal e a regular adoção dos filhos de terceiros, fonte de intermináveis abusos.

Não foi à toa, portanto, que a figura de São José feneceu na sombra por séculos. Um levantamento recente de sua imagem em iluminuras medievais mostra que em 10% dos casos as referências são mesmo pouco honrosas, repetindo a figura dos maridos enganados pelos deuses na mitologia grega.

Segneri também não examina em detalhe as razões do renascimento do culto de São José, ainda que, em seu tempo, sua expansão seguisse em ritmo acelerado, e que sua origem pudesse ser datada com precisão: a publicação, por Jean Gerson, das Considerações sobre São José em 1413, e o sermão de 8 de setembro de 1416, Jacob autem genuit Joseph (Mateus I, 16), perante o Concílio de Constança.

Muitas causas podem ser invocadas para tal renascimento. A mais razoável parece ser, contudo, um sentimento global de insegurança provocado pelas imensas crises humanas e políticas da segunda metade do século XIV. Naquele momento, em pleno Grande Cisma, com a Igreja dividida em facções combatentes, invocar o valor e a estabilidade da família exigia um novo tratamento da paternidade temporal. No caso específico, centrada sobre a imagem de São José. (Paul Payan, “Para reencontrar um pai. A promoção do culto de São José no tempo de Gerson”. Cahiers de Recherches Médiévales et Humanistes. 4, 1997).

Nesse ponto, por sinal, a elaboração de Jean Gerson e a menção de Segneri se alinham perfeitamente. O servidor da Igreja deve ser como José: trabalhador, modesto, mais preocupado em praticar o amor e cuidar de quem precisa do que na glória de linhagens ilusórias. Todos, afinal, somos filhos de Deus.



Georges de la Tour (1593-1652). São José Carpinteiro (c. 1640)

quinta-feira, 14 de julho de 2011

De esci tu essecutor inaltelor decrete

Nas inflexões de um texto que soa convencional, transparece sua notável capacidade de observação humana. É verdade que Segneri foi aceito na Companhia ainda adolescente e conviveu por décadas com as realidades de uma instituição que era, ao mesmo tempo, religiosa e temporal, dominada pela absoluta autoridade papal. Ainda assim, surpreende a precisão dos sinais de desvios de fins e meios em uma organização composta, afinal, por homens.

O primeiro deles, o ressentimento das injúrias, aponta para a identificação entre os interesses da pessoa que ocupa uma posição de comando e os interesses da organização que dirige. É a deformação da satisfação simbólica de participar de uma ação coletiva, quando o dirigente se torna mais preocupado com palavras do que com atos. No caso, quando o prelado ofende-se mais com a má palavra do que com a má ação.

O segundo deles, o calor do interesse, aponta para a mudança de prioridades em uma organização complexa, quando seus fins internos se tornam mais importantes do que suas missões públicas. Para construir uma obra real, no mundo, nunca é a hora; para aumentar os recursos de sua casa, sempre é a hora.

O adjetivo notável foi empregado no primeiro parágrafo porque os sinais descritos por Segneri são os mesmos usados pela ciência social contemporânea para descrever os efeitos colaterais de qualquer processo de ação coletiva. Os benefícios simbólicos e materiais produzidos por tal ação tendem a ser distribuídos de forma mais favorável para os que lideram e comandam tais ações. A personalização da liderança e o desvio de finalidade são seus primeiros efeitos. A alma ativista de Segneri tinha pouca paciência com burocratas religiosos que apenas usam a Vinha do Senhor.


Capa de A Lógica da Ação Coletiva (1965), de Mancur Olson Jr., lição definitiva sobre os chamados incentivos seletivos apropriados pelos líderes de qualquer organização social.

domingo, 10 de julho de 2011

Omnes quae sua sunt quaerunt

Considera con qual tenerezza di affetto dovresti tu compatire al tuo buon Giesù, mentre tu vedi che tanto pochi sono al Mondo che pigliano la sua causa. Vejamos aqueles que professam servir ao Mundo, sacerdotes, predicadores, párocos, prelados, tantos homnes que se deram a Cristo. Estão em liga a favor de Cristo? Em muitos se contam os que estão enamorados de si mesmos. Amam a Cristo, o aprovam, o desejam e o louvam, mas não o procuram. Procedem de modo diverso nas causas de Cristo e nas próprias.

São dois sinais dessa diferença: o ressentimento das injúrias e o calor do interesse. Não se ofendem com sacrilégios e adultérios, mas com alguma ofensa ao nome de Cristo. Usam da Vinha do Senhor. Isto é despojar-se do seu? E depois faltam as rendas para alimentar os irmãos menores, a punir os rebeldes, a reprimir dos adversários. Muitos usam Jesus como manto para defender a própria honra. Buscam ser honrados pelo hábito e não pela santidade. A reputação de Cristo não deveria ser mantida pela piedade com os pobres, pela mansidão, pela modéstia, pela pureza? Cristo sempre recomendou a virtude, nunca o esplendor. Proponha a construção de um Seminário, de uma Igreja, de um Claustro, de um Monastério: respondem que não é a hora. É preciso decidir em conselho, esperar uma conjuntura propícia. Para aumentar a própria Casa, sempre é hora. É para a glória de Deus que se povoa a Igreja, dizem, mas desta glória Deus pouco cura. Ao contrário, Servire me fecisti in peccatis tuis (Is. 43.24). Não se deve dizer primeiro procurar a glória de Deus e depois a tua, mas apenas desejar a glória de Cristo.

Considera como no gloriosíssimo São José, o Senhor quis mostrar um homem que não foi por si, mas todo por Cristo. Deixou a Virgem sempre intacta, como faz o olmo que se esposa à vide. E depois da morte, ficou por séculos incógnito, inglorioso, esquecido da devoção dos povos. E ainda assim este será aquele Santo que tu deves eleger sumamente como Advogado para merecer esta graça que é a maior: não mais viver sobre a terra senão servindo a Cristo. Ma tu non hai da pregarlo che ti defenda, se non che da te stesso; che sei il nimico più crudele que habbi, mentre per vivere a te tu non vidi a Cristo.

(marzo xviiii... Omnes quae sua sunt quaerunt ... Filípicos, 2. 21)