sábado, 14 de julho de 2012

Confundetur Israel

Considera, che il fine principalissimo per cui tanta gente, ancora spirituale, e sì inclinata a far la sua volontà, è perche spera in essa di trovar quiete. E ainda assim, se vai ao oposto, pois se existe algo que te pode meter em confusão é seguir tua vontade. Sempre duvidarás se é melhor fazer deste ou daquele modo, se tratar com o próximo ou viver retirado, se dormir ou velar, se comer ou jejuar.

Se queres encontrar a paz, deve submeter-te a um diretor que te governe. Vê como fazem os litigantes que buscam um Árbitro. A carne e o espírito são litigantes terríveis! Mesmo Israel se confundiu, mesmo Paulo. Os íntimos de Deus se deixaram governar por outros. Considera a felicidade de quem se fez religioso e se consagrou a uma obediência perpétua. Não é esta, uma quieta maravilhosa? Habbi però una somma fede al valore dell'ubbidienza, e tien per indubitato, che chiunque si vorrà governare da se, resterà confuso: confundetur Israel in voluntate sua. Chi non resterà mai confuso? Sol chi ubbidisca, si audierint, et observaverint, complebunt dies suos in bono et annos suos in gloria. Iob 36.11. complebunt dies suos in bono, perche viveranno quietissimi, et complebunt annos suo in gloria, perche morrano gloriosi.

(marzo xxix... Confudetur Israel in voluntate sua... Oséias, 10.6).

terça-feira, 22 de maio de 2012

Acopere totul, crede totul, nădăjduieşte totul, sufere totul

A bela figura retórica empregada por Segneri para descrever a paz alcançada pelos justos, sustentada por negativas, é uma referência clara à celebre passagem da primeira Epístola aos Coríntios (13, 4), quando Paulo define a natureza do amor (ágape):


"4.O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não se vangloria, não se ensoberbece,
5 não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal;
6 não se regozija com a injustiça, mas se regozija com a verdade;
7 tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta."

Tal encômio do amor, contudo, não foi uma invenção do apóstolo: representa uma figura literária conhecida na cultura grega. Tem um igualmente célebre antecessor, exposto nas seções 203c e ss do diálogo platônico "O Banquete". Como é sabido, o amor (eros) é assim descrito:

"E por ser filho o Amor de Recurso e de Pobreza foi esta a
condição em que ele ficou. Primeiramente ele é sempre pobre, e
longe está de ser delicado e belo, como a maioria imagina, mas
é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro,
deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque
tem a natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão.
Segundo o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom,
e corajoso, decidido e enérgico, caçador terrível, sempre a tecer
maquinações, ávido de sabedoria e cheio ele recursos, a
filosofar por toda a vida, terrível mago, feiticeiro, sofista: e nem
imortal é a sua natureza nem mortal, e no mesmo dia ora ele
germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo
ressuscita, graças à natureza do pai; e o que consegue sempre
lhe escapa, de modo que  nem empobrece o Amor nem
enriquece, assim como também está no meio da sabedoria e da
ignorância."

terça-feira, 1 de maio de 2012

Sedebit populis meus

Considera, che questo beato popolo, del quale quì si ragiona, non può già essere un popolo, qual è quello degl'imperfetti, mas uno assai spirituale, assai santo, populus peculiaris, perche già si presuppone, che non habbia più di bisogno di stare tutto dì combattendo affanosamente, ma che già goda riposo, mentre incontanente si dice, che sederà: Sedebitis populus meus. Quem são os que alcançam esta sorte? Poucos são - os que são senhores do seu querer. Tu entendes a rara felicidade de quem combateu por longo tempo e alcança o domínio de si mesmo? A paz não é outra coisa que a tranquilidade em ordem: não inveja, não presume, não litiga, não persegue, não ambiciona e sabe viver em paz mesmo com os que são amantes da guerra. É ordenado com Deus, porque em tudo se submete a Ele.

Ó tu, beato, se soubesses por uma vez deixar-te invadir por tão digna paz. Não vês tu como é bela?

O Justo, após haver repousado na paz, na morte descansa no Tabernáculo da Confiança. Nos pagos do Senhor. Como a Pomba, que não sai a combater o Falcão no ar aberto, mas retira-se aos bosques escuros. Saciado na memória, saciado na vontade, plena de Deus, saciado no exercício da virtude, saciado no bem, saciado pela total saciedade que possa haver em todos os seus sentidos. Saciado no gosto do celeste maná. E finalmente saciado pela fonte da saciedade que é Deus, pois Ele não tem necessidade de nada. Procura, pois, ser parte desse Povo. Se vuoi requie dopo la morte, convien che alla requie preceda la fatica, si che ti spendi per Dio, ti strugghi per Dio, e ti curi poco di umani sollevamenti infino a tanto, che dicat tibi Spiritus, non il Corpo, ut requiescas à laboribus tuis. Apoc.14.13.

(marzo xxviii, Sedebit populus meus.... Is. 32.18)

domingo, 26 de fevereiro de 2012

El singur sa'mi stea fata in acele minute

O caráter espiritual da concentração da mente nas mínimas ações que cada um pratica em sua vida cotidiana ou em seu ofício cotidiano é hoje uma figura retórica comum. Ela se espalha pelas literaturas de auto-ajuda modernas, mas avança também sobre as descrições populares das religiões orientais. Em Segneri, naturalmente, o sentido é bem mais preciso: esta concentração é necessária para realizar a intenção pura e para invocar corretamente a ajuda divina. De forma sutil, ele insinua que cada gesto pode se transformar em um ritual.

O efeito terapêutico e salvador desta concentração pode revelar-se em ocasiões surpreendentes. Em sua obra pungente sobre o Gulag soviético, Anne Applebaum descreve como a capacidade pessoal de isolar-se, por meio de tarefas comuns, do horror do trabalho forçado e da injustiça contribuía para a sobrevivência de muitos prisioneiros.

Escrever poesia, fabricar colheres ou agulhas para os que precisavam, meramente dedicar-se a ouvir um amigo, lavar ritualmente as próprias roupas, manter a rotina de tomar banho foram recursos empregados para, de alguma maneira, preservar a dignidade interior (Gulag. A History, 2003, págs 346-347). Mesmo uma celebração mínima do ritual da Páscoa Ortodoxa atraía crentes e ateus.

Na mera atenção ao que fazemos, argumenta Segneri, está a salvação.





sábado, 18 de fevereiro de 2012

Omnibus operis tuis


Considera, che qui alla fine si hà di ridurre tutta la tua perfezione: a far le azioni, che sono proprio di quella comunità, di quell carico, di quell grado, in cui Dio ti hà posto, ma a farle eccelentemente. Imaginas que ações grandiosas te darão a santidade? Quem te disse? A tua soberba? Deus pede as obras de teu ofício. A santidade não consiste em fazer obras excelentes, mas em fazê-las de forma excelente. Ela não se busca nas obras, mas no operante. 

Quem faz mais proezas que as damas chamadas fortes? Como Débora, como Judite. Se bem ponderas, todas as suas bravezas terminaram em bem fiar, em prover-se de lã e de linho, em não deixar que, de noite, a lâmpada se apague. Cumpre fazer as obras de modo interno, perfeito, com intenção reta, endereçando tudo a Deus, ao maior gosto de Deus, à maior glória de Deus. Não faça como os navegantes que não cuidam da viagem de seu barco, que apenas cantam e gastam seu tempo. Não sabes quão benévolo é o Senhor? Faz o contrário dos homens: paga pela vontade como paga pela obra.

E pede sempre ajuda a Deus. Ele não se molesta com este freqüente socorro. Não sabes que ele é um amante e vai perdidamente por ti? Isto é próprio de um grande amante: proclamar ter parte em toda a obra do amado, meter-se em tudo, ingerir-se em tudo, tomar a si o assunto do amado. Se queres dar gosto a Ele, que tanto te ama, chama-o em toda a obra que fazes. E cosi quanto più almeno ti sai possibile: In operibuis tuis pracellens esto: facendole nell’esterno com esattezza, nell’interno com eminenza di carità, superiore a quella, che si usa comumente, già che questo appunto à praecellere, è spiccare sobra la turba.

(marzo xxvii... In omnibus operibus tuis... Eclesiátisco 33. 23)





Se poi il divoto Lettore si dolesse

Os capítulos finais do Ragguaglio contêm algumas narrativas adicionais das penitências a que Segneri se submetia, entre elas ser açoitado enquanto amarrado a uma coluna, como Jesus, e queimado com a cera quente de velas. Era difícil, por vezes, arranjar quem o ajudasse em tais extremos.

O autor se pergunta, ao final, porque uma pessoa com tais méritos intelectuais e espirituais permaneceu praticamente desconhecida em seu tempo. É porque sempre os manteve em segredo enquanto viveu.

Ragguaglio, capítulos LXVI a LXVIII (fine).

domingo, 29 de janeiro de 2012

Catand in viata pacea, si 'n pace multumirea

Os paradoxos implicitos no julgamento moral de atos individuais encontram uma exposição canônica na Sura 18, A Gruta, quando Moisés interroga um dos Servos do Senhor:

"E encontraram-se com um dos Nossos servos, que havíamos agraciado com a Nossa misericórdia e iluminado com a Nossa ciência.
E Moisés lhe disse: Posso seguir-te, para que me ensines a verdade que te foi revelada?
Respondeu-lhe: Tu não serias capaz de ser paciente para estares comigo.
Como poderias ser paciente em relação ao que não compreendes?
Moisés disse: Se Deus quiser, achar-me-á paciente e não desobedecerei às tuas ordens.
Respondeu-lhe: Então segue-me e não me perguntes nada, até que eu te faça menção disso.
Então, ambos se puseram a andar, até embarcarem em um barco, que o desconhecido perfurou. Moisés lhe disse: perfuraste-o para afogar seus ocupantes? Sem dúvida que cometeste um ato insólito!
Retrucou-lhe: Não te disse que és demasiado impaciente para estares comigo?
Disse-lhe: Desculpa-me por me ter esquecido, mas não me imponhas uma condição demasiado difícil.
E ambos se puseram a andar, até que encontraram um jovem, o qual (o companheiro de Moisés) matou. Disse-lhe então Moisés: Acabas de matar um inocente, sem que tenha causado morte a ninguém! Eis que cometeste uma ação inusitada.
Retrucou-lhe: Não te disse que não poderás ser paciente comigo?
Moisés lhe disse: Se da próxima vez voltar a perguntar algo, então não permitas que te acompanhe, e me desculpe.
E ambos se puseram a andar, até que chegaram a uma cidade, onde pediram pousada aos seus moradores, os quais se negaram a hospedá-los. Nela, acharam um muro que estava a ponto de desmoronar e o desconhecido o restaurou. Moisés lhe disse então: Se quisesses, poderia exigir, recompensa por isso.
Disse-lhe: Aqui nós nos separamos; porém, antes, inteirar-te-ei da interpretação, porque tu és demasiado impaciente para isso:
Quanto ao barco, pertencia aos pobres pescadores do mar e achamos por bem avariá-lo, porque atrás dele vinha um rei que se apossava, pela força, de todas as embarcações.
Quanto ao jovem, seus pais eram fiéis e temíamos que os induzisse à transgressão e à incredulidade.
Quisemos que o seu Senhor os agraciasse, em troca, com outro puro e mais afetuoso.
E quanto ao muro, pertencia a dois jovens órfãos da cidade, debaixo do qual havia um tesouro seu. Seu pai era virtuoso e teu Senhor tencionou que alcançassem a puberdade, para que pudessem tirar o seu tesouro. Isso é do beneplácito de teu Senhor. Não o fiz por minha própria vontade. Eis a explicação daquilo em relação ao qual não foste paciente." (Sura 18, A Gruta, 65-82)

O texto do Corão não afirma diretamente quem seja o "nosso servo" mencionado no verso 65, mas os comentários não têm dúvida em identificá-lo com Al Khidr, o verde, uma figura espiritual do mundo pré-islâmico, um mensageiro de Deus, dotado de juventude eterna, incorporado posteriormente à tradição.(http://khidr.org/).


Satul de mari nimicuri ce nu dau fericirea

Comentário breve e cortante de Segneri. Os estudos sociológicos mostraram há décadas que os elementos fundamentais que constituem nosso destino, nossa língua, nossa família, nossa posição social e mesmo nossa saúde, são dados. Não os escolhemos, nem os conquistamos. É rara uma história de sucesso ou de fracasso que seja realmente pessoal em sua última raiz. A questão é o que você faz com o que lhe é dado.

Nesse ponto, Segneri toma parte em um problema tão paradoxal quando o problema do Mal: o problema do Bem. O bem que fazemos é realmente o bem? Se nossa existência é parte de uma cadeia incontrolável de eventos, tal como a representa o pensamento secular, não há como saber se o bem que fazemos hoje não será mal amanhã. Os atos humanos fazem parte de uma série infinita, cuja soma é desconhecida.

Segneri afirma que o Bem só pode estar baseado na Graça. Apenas Deus tem a ciência necessária das causas e dos eventos para definir o que é o Bem. O resto, fazemos no escuro, apenas com o melhor das intenções.




Quoy qu’en tout temps l’aumosne soit utile
Aux souffreteux, point ne faut de trompette
A l’annoncer, comme dit l’Evangile.
La charité de coeur vraye & parfaicte
Ne veut tesmoins de son oeuvre bien faicte.
Car il suffit que Dieu bien apperçoit,
Que l’indigent de ton bien a disette.
Le publiant son salaire reçoit.

Georgette de Montenay. Emblemas Cristãos (1584). 

cuius consummation in combustionem

Considera la differenza terribile, la qual passa fra Terra, e Terra; ambedue ricevono le stesse grazie dal Cielo, ma non ambedue corrispondono al modo stesso, e cosí una é benedetta, una reproba. O mesmo acontece com duas almas, ambas beneficiadas, mas não do mesmo modo gratas. Examina as duas, não há meio termo.

Nenhuma terra pode produzir sem água; assim é a alma humana. Não basta a vontade para fazer o bem; precisa da Graça. O Céu te envia muitos tipos de água: a inspiração interior, pluvia in vellus, as prédicas, os conselhos, os confortos, as correções, Tanto são elas abundantes. É ele que move a língua do predicador, do pároco, do confessor. E como hás reagido? Que bem hás feito? Se apenas espinhos produzes: que grande suplício te espera.

Considera como se fala desta Terra: a reprovação, a condenação e a punição. A pena para a terra fértil de ervas daninhas é o fogo. Là dove la ingrata lo muove a sospendere il socorso a tutti e a far che già non piovano sopra lei più acque, ma fimme.

(marzo xxvi... Terra saepe venienten super se... Hebreus. 6. 7)