quarta-feira, 3 de junho de 2009

del ric tesaur qu'Amor l'ensenna


Nada é mais repugnante a nosso racionalismo moderno do que a idéia cristã de um combate com os sentidos. A realidade sensível, desde os escritos de Galileu, propõe, no máximo, enigmas. Podemos atacar um problema, mas não questionamos o neutro conteúdo emocional das coisas desse mundo. O tanto que é possível saber sobre a literatura contemporânea sobre auto ajuda confirma a idéia de que bastaria a evidência e o convencimento para encontrar a paz espiritual e mesmo a felicidade. A experiência com a cura de viciados em jogo, álcool, drogas, fumo, remédios mostra quão frágil é tal suposição.

Os séculos passados eram menos otimistas com respeito à natureza humana. O professor Pierre Hadot imprimiu, como título de seu livro sobre o Imperador Marcus Aurelius, a expressão familiar: a cidadela interior. O estoicismo e várias outras filosofias reconheciam a dimensão de combate espiritual, implícita em uma vida feliz e virtuosa, e a metáfora compreendia as disciplinas do soldado, a obediência, o treinamento, o medo da derrota e o sentimento da vitória. Nos dias que vão é necessário apenas conscientizar-se. É uma notável crença nos poderes da razão.

A condenação de Paolo aos que seguem dominados por uma Mulher, pelo dinheiro, pela fama nada tem de carola quando posta em sua linha genealógica original - o sentimento grego da vida como ágon, como luta.

Notaria apenas uma sensível diferença militar. As Meditações foram escritas à sombra de um combate de morte com os bárbaros, uma guerra defensiva que se tornou ofensiva pela selvageria dos oponentes. O estóico romano, imperador ou escravo, pensa em termos defensivos, na fortaleza inexpugnável da própria alma. A expressão usada por Jesus, segundo Lucas, talvez denote o homem no campo de batalha, que busca o conflito com as coisas desse mundo. A defesa nos faz invencíveis; o ataque nos concede a vitória, escreveu o filósofo.


(Miguel acorrenta Satã. William Blake).

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