quarta-feira, 30 de setembro de 2009

abominatio est ante Deum

Considera, quanto sia pazzo tanto di Mõdo, mentre va così smoderamente perduto dietro gli onori. Que coisa é, diante de Deus, o que pelos homens é chamado de alteza de posto, de grandeza, de glória. É abominação. Esculpe na alma essa sentença saída da boca de Cristo. Contarias vantagem das coisas injustas que fizestes? Considera o quanto é realmente prezada a tua alteza no Céu. Não vês que mesmo entre os homens, os mais espirituais, os mais retos, os mais razoáveis são da opinião de Cristo? Não estimas ser antes prezado de Deus? Tu sabes que o Senhor desdenha os outros pecados, abomina a arrogância, abomina a ambição, abomina a altivez e contra estas volta todas as sua baterias. Vê que veio à Terra dar exemplo de humilhação. Apenas nascido mostrou haver medo de um homem, qual era Herodes e ainda que pudesse de tantos modos subtrair-se de seu desdém, salvar-se de sua espada, elegeu o mais ignominioso, fugiu de noite. De trinta e três anos que viveu sobre a terra, não menos de trinta em uma ignóbil bodega, servindo apenas de auxiliar de um operário e não duvidou de viver nesse caro desprezo de si mesmo, e poderia em todo esse tempo operar muito bem, pregrinando, pregando, ensinando, como fez no último curso de sua vida. Escolhe a Morte de todas a mais oprobriosa, antes que morrer assentado. Ma perchè al fin tutto ciò, se non per mostrarti, che s'egli ha in odio le comodità, i passatempi, i piaceri dietro cui vanno così perduti i mortali, abbomina il fasto. Quod hominibus altum est, abominatio est ante Deum.

(febbrajo xii, Lucas 16, 15)

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Adura ben, aquel ti ve / adura mal, fai atertal

Mesmo uma breve passagem, a linha de um livro pode mudar a descrição corrente da realidade. O coronel Dave Grossman, hoje na reserva do exército dos Estados Unidos, escreveu em On Combat que nosso bom sono depende da vigília de homens violentos. De fato, nesse momento, a noite se aproxima e na portaria do prédio alguém passará a noite em vigília, eventualmente exposto à violência. A algumas centenas de metros daqui, policiais armados preparam-se para a madrugada. O sono é momento de perigo, quando a Morte pode chegar. Os santos não dormem muito, nota Paolo Segneri. Sansão e Holofernes se perderam no sono.


Os santos devem estar atentos, vendo, vigiando, orando para afastar as múltiplas formas da ilusão. Preparando-se para o momento decisivo do soldado e do santo: a Morte. Como saber se, no segredo dos sonhos ou do êxtase, está o descaminho do Príncipe da Luz? Os santos estão, na verdade, sitiados, à espera de um combate onde vão morrer.

Illic erit fletus, et stridor dentium

Considera, che in questi tre punti à compreso tuto cio, che tu devi fare per viver sempre apparechiato alla Morte. Vedere, vigilare, & orare. Ver para que não se aproxime o pecado mortal, a cegueira lutuosa, muito mais perigosa que a do corpo. Vigiar para que não durmas como Sansão, Holofernes e o mal te aconteça. A vida é breve: faze como os Santos, que não cediam ao sono. Ora e recomenda-te ao Senhor. Não percas o desejo de orar. Pensa muito na morte, pensa que é pronta, que é iminente. Não duvides. Considera que não sabes quanto chegará tua hora. Olha o pobre Peixe na rede enquanto ela está na água: não sabe nada, goza, salta, tripudia, como fazem os outros, a quem não virá mal algum. Entretanto, è già spedito. Não deves crer na idade fresca, na saúde, na cor, na aparência, no vigor. Tu chiunque sii, ò sano, ò grande, ò vile, ò ricco, ò mendico, ti ritorno a dire, nescis quando tempus sit: non eris, ma sit, perchè non v’è circonstanza in cui l’ultima ora non possa per te già essere presente.


(febbrajo, xi, Mateus 13.33)

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

carnis curam ne feceris

Considera il favore, che Dio ti há fatto in collocarti là dove è giorno, in die, non tra le tenebre ò della gentilità, ò del giudaismo, ò della eresia, ma in um paese Cattolico, e forse ancora in um Ordine Religioso, dove il giorno è piu chiaro. Como podes corresponder? Anda na honestidade, anda sempre no bem. Ao dia não convém as obras da noite, daqueles que não conhecem o Cristo. São de duas sortes: as obras da concuspicência e as obras da ira e da emulação. Examina se tu as pratica. Deves vestir a Jesus Cristo. Falar, proceder, fatigar-se como Ele, como se diz que em cena um veste a pessoa real que se quer imitar. Considera que nada mais prejudica essa imitação de Cristo que o afeto pela Carne. Sua vida foi toda espiritual, avessa à carne. Há que governar a carne, não segundo essa deseja, mas segundo o que a razão prescreve. Se tu soddisferai la carne perch’ella te lo domanda, non farai mai punto di bene. Mira prima s’è raginevole il soddisfarla. E cosi carnis curam ne feceris in desiderris, ma secundum rationem. (Romanos, 13.13).


(febbrajo x, Romanos 13.13).

terça-feira, 15 de setembro de 2009

lo sal espars per miei lo cap

A recomendação da violência contra a própria carne talvez o aspecto mais chocante, para uma mentalidade moderna, dos cultos religiosas. Um exame mais detido das idéias que presidem a sua prática, contudo, poderia não apenas ajustar o seu correto sentido, mas também apontar para sua real deformação, ontem e hoje.

Doutrinaria e institucionalmente falando (ver http://www.religious-vocation.com/redemptive_suffering.html), a Igreja estabelece limites bem claros para a prática canônica da auto-flagelação. Deve ser praticada no contexto de uma comunidade religiosa, sob a direção espiritual de um superior e conduzida em segredo.

Praticar a auto-flagelação de moto próprio, sem um sentido definido por uma comunidade religiosa e exibi-la como espetáculo não é sinal de religiosidade ortodoxa. Pode ser sinal de qualquer coisa: de exibicionismo a fórmulas de submissão a autoridades.

Separadas essas perspectivas, a auto-flagelação ganha a dimensão semântica de seu denominador original: disciplina. Uma forma de impor a própria vontade sobre as frágeis disposições do corpo, um meio de puni-lo quando se torna um obstáculo para o objetivo final - a salvação. Nada que um drogado moderno, em uma clínica de tratamento, forçado a fazer trabalhos artesanais sem sentido, não seja capaz de entender.

Quem lê, contudo, a biografia de Paolo Segneri sabe que não se furtava a usar seu corpo flagelado como espetáculo religioso no decorrer dos cultos que presidia.


(Imagem: Flagelantes. Séc XVII. Note-se o rosto coberto.)

domingo, 13 de setembro de 2009

et dispensatores mysteriorum Dei

Considera, quanto sia mai grande l'odio che Iddio porta al peccato. Considera as tragédias que ocorrem ao Mundo: todas para punir o pecado. Considera o Inferno, ainda em seu lugar depois de milhões de séculos, não deu qualquer satisfação a Deus. Considera o amor pelas puras criaturas do Universo, os Patriarcas, os Profetas, os Mártires, não compensa ainda o ódio ao Pecado. Pois por ele permitiu que o Cristo tudo sofresse. Considera quanto odeia a ti, se és um pecador. Melhor seria viver como Escorpião, Dragão, Serpente - eles não são odiados por Deus. Pois a todas as criaturas chamou Davi para louvar o Senhor. Laudate Dominus Dragones. Que pode valer ser a delícia do Mundo se Deus ódio te tem? Melhor seria o contrário: ser odiado por todos e amado por Deus. Considera o que é necessário para que Deus comece a amar-te: vem em ódio a ti mesmo, chora os males por ti cometidos, aborrece-os. É possível que saibas amar tanto a teus pecados? Como deverias maltratar tua carne, não pelos pecados, mas por ódio!! Como deverias admirar-te que os elementos não se voltem contra ti!! Se tu capisci ciò che dir voglia stare in peccato mortale, ti dovrebbe sempre parere di sentir gli Angeli, che gridano delle nuvole Preparamini contra Babylonem per circuitum, omnis qui tenditis arcum, omnes, omnes, non parcatis jaculis, quia Domino peccavit. [Jeremias 50.14].

(febbrajo ix, Sabedoria 14.9)

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Auria donc de mi eveja?

O Carnaval também mereceu o comentário condenador de São Roberto Bellarmino (1542-1621), célebre por seus avisos cautelares a Galileu Galilei sobre o movimento da Terra. Em sermão pronunciado em Louvain (Concio XX, de Dom. Quinquagesimae, publicado em 1615), comenta:

Povo maravilhoso, esses foliões. Não precisam de sono como os demais mortais. Dançar basta. Por toda a noite vão pela cidade, berrando e se divertindo e ainda que suas pobres cabeças estejam expostas à chuva e ao vento não parecem sofrer qualquer dano. Basta, porém, a sugestão de uma hora solitária de oração ou o pedido para cumprir uma obra de caridade após o poente e vocês verão o que acontece. A brava cabeça que suportava os rigores da meia noite tão corajosamente logo começa a doer e, no dia seguinte, o pobre sujeito não consegue acordar antes do meio dia...

Bellarmin nota que o Carnaval não está previsto no Breviário, mas não há data observada mais... religiosamente. A citação se encontra em James Broderick, S.J., The Life and Work of Blessed Robert Francis Cardinal Bellarmine 1542-1621. Londres, Burns Oates and Washburne, Publishers to the Holy See, 1928, págs 92-93.



Foto: loja de máscaras, Veneza.

lo fin joi ques Amors lur dona

Segneri bem conhece os perigos do Carnaval:

"Quais são estes dias delituosos senão aqueles que correm, chamados de Carnaval? São aqueles em que parece ser lícito pensar apenas em desafogar o gênio, a cigarrear, a crapular, a saltar de maneira louca, a vagar nos amores, a usar de audácias e renovar na Cristandade a baixeza dos tempos Gentios." (febbrajo vii).




"Companheiros" e "Máscaras de judeus". Francesco Bertelli. Carnaval Mascarado. Veneza, 1642.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Secundum gratiam Dei, quae data est mihi

Considera, quanto sia proprio di un'huomo savio il temere, perchè chi più sa, più conosce ancora i pericoli, che si sono nella via del Signore, dove mai nessuno è sicuro sino alla morte, cioà sino al termine della medessima via. Nota, porém, que não se diz (Ecclesiástico 18, 27) se teme a tudo, mas em tudo teme. Porque se hás confessado, algum temor permanecerá, mas não o sumo. Este hás de ter nas obras do presente, para fazê-las justas. E não deve ser o temor servil, dos Escravos, mas o temor casto dos Filhos. Este temor de Deus não deve te fazer escrupuloso, mas cauto, circunspecto, soberano de si. Não apenas atenda por medo do pecado, mas ab inertia. Tu te guardas do Pecado, mas não te guardas do Ócio, da Tibieza, do Tédio, da Preguiça, que te deixam menos propenso ao Bem. Questa è la pessima qualità nella nostra natura viziata. Quando non riceve una violenza notabile, che la freni, va qual Cavallo indomito al precipizio. E que dias delituosos são esses senão o Carnaval? Eles não foram feitos para renovar na Cristandade a infâmia dos Gentios, mas para aumentar teu cuidado e não perderes a devoção. Os dias delituosos são aqueles dos Principes que favorecem o vício, quando se semeia o Cisma, o Relaxamento da comunidade. São os dias em que podes cair na soberba e esquecer do Senhor. Nelle altre si va più sicuro col vento in poppa, ma in questa allor si va maggiormente a pericolare: e però allor più che mai in omnibus metue, raccomandandoti sempre a Dio, come si fa negli immineti naufragij.

(febbrajo viii, Ecclesiástico 18, 27)

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Vostre cor non tengas cubert


O ensaio do sete de fevereiro - associado a São Romualdo (956-1027), foi escrito com fervor. Nele, há jóias. A ira feita tempestade sobre o mar, para atingir as naves. A inveja como doença dos ossos. A poesia evidente na sentença final sobre os pecados causadores da morte de Jesus. Sob o pregador, transparece o estudante das letras clássicas, o escritor sofisticado da língua toscana, para condenar a atenção às coisas desse mundo.

Tal como São Romualdo, nascido em Ravenna, de nobre família, levado à vida monástica por testemunhar um crime em família. Reformador e criador de mosteiros; foi feito abade de Santo Apolinário em Classe por Otão III, mas os mosaicos dourados não o impressionaram. Continuou perseguindo o ermo, a solidão. Tacente lingua e predicante vita, como escreveu Pedro Damião.

(Imagem: Guercino, São Romualdo, 1641).