sábado, 30 de maio de 2009

ma domna es e fons e rosa

Por mera coincidência recebi há poucos dias a referência ao artigo de David Eagleman, pesquisador do departamente de neurobiologia e anatomia da Universidade do Texas, por meio da newsletter do EDGE (n. 287). O resumo era simples: não é mais possível imaginar o tempo como um rio fluindo de modo uniforme. A percepção do tempo, como a visão, é uma construção do cérebro e, portanto, de fácil manipulação. Uma versão antiga do paper, publicado pelo Journal of Neuroscience, em novembro de 2005, já enumerava as pesquisas revelando as variadas regiões do cérebro responsáveis pela construção mental do tempo. O tempo mental não tem uma métrica fixa, obedece a vários padrões. Se prestamos atenção em um processo, ele é registrado como lento; se não, não. Os modelos de "relógio interno" precisam ser adaptados aos fatos que mostram um processamento variado de padrões temporais. Períodos longos de tempo são estimados em base ainda mais imprecisas. O significa, concretamente, para cada um a expressão "os próximos dez anos"? Qual a valência emocional associada a esse termo?

É fácil concluir que essa percepção subjetiva do tempo, sustentada agora pela neurociência, presta-se a todo tipo de manipulação mental e moral. Nos sonhos, algumas horas podem equivaler a dias; alucinações têm o mesmo efeito. Por outro lado, o cálculo do tempo tem evidentes implicações morais: sendo um recurso escasso, seu uso é sujeito a prioridades e escolhas éticas. Qual o melhor uso para o seu próximo minuto? Qual a regra para o emprego do seu tempo, considerado em toda a sua extensão útil? E fala-se aqui em termos práticos, sem recurso à poesia do "o que faria se fosse morrer amanhã?" Essa interrogação, pelo prazo curto que se impõe, reduz brutalmente o número de alternativas realistas.

A reflexão de Paolo, notável em si mesma, na proposição de um cenário virtual, amplia o sentido desse cálculo pelo uso de duas imortalidades diferentes - a das pessoas que viverão para sempre na Terra e a das pessoas que viverão para sempre, mas no céu, depois de passar pela morte. Um exame mais detido de sua conclusão, contudo, revelaria vários problemas.

Se vamos viver pouco, talvez seja racional, sendo nossos fins terrenos, afanar-nos na busca material e gozarmos de seus bens o mais rápido possível. Se vamos viver sempre na Terra, essa busca material certamente não obedecerá ao mesmo ritmo seguido pelos que vão morrer. Se vamos viver para sempre, por exemplo, nosso potencial de poupança é infinito.

Talvez Paolo tenha criado um paradoxo ainda mais fascinante. Se vamos viver para sempre, fazer poupança ou enriquecer, torna-se vagamente irracional. Poupança para usar em que tempo? Riqueza para gastar em que tempo? Se vamos viver para sempre, precisaríamos acumular riquezas infinitas para que pudéssemos gozar dessas riquezas infinitamente. Se não vamos viver para sempre, trabalhar muito, enriquecer, ganha algum sentido, pois nossa vida é limitada. Podemos trabalhar muito dos 20 aos 60 anos para viver bem dos 60 até a morte. Esse cálculo é impossível para os imortais invocados por Paolo.

Há uma saída cristã: enriquecer é pecaminoso. Quem vai morrer não deve lutar por isso, pois está se condenando à perda do Céu. Quem não vai morrer, não teme a condenação.

Penso, nesse momento, contudo, que os homens imortais de Paulo teriam tantos motivos de rir dos homens que vão morrer, como estes daqueles. Seus imortais estão condenados à pena de Sísifo, a repetir eternamente um ciclo de enriquecer, consumir, enriquecer, etc. Como os homens que não podem morrer da história de Jonathan Swift, vivem uma estranha vida.

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