segunda-feira, 25 de maio de 2009

le reis de paradis vos salve, bel segner

Na academia que havia em Roma e no palácio da Sereníssima Rainha da Suécia, Cristina, se propôs um problema no ano de 1674, cujo argumento foi esse: se o mundo era mais digno de riso ou de lágrima e qual dos dois gentios andara mais prudente, se Demócrito, que ria sempre; ou Heráclito, que sempre chorava. Vieira escolheu defender Heráclito; Jerônimo Cataneo, a Demócrito.

O primeiro argumento de Vieira tenta salvar o riso; quer mostrar que o riso de Demócrito era uma suma expressão de dor diante das desventuras humanas, lamentadas antes por serem fruto da ignorância do que por serem reais. Isso seria negar realidade ao mal, Vieira sabe do perigo desse caminho. O segundo argumento, postulando real o riso, mostra que esse é apenas justo se exercido sobre as ficções da Comédia, sobre as falsas dores vividas no palco. "Porque aqueles defeitos são supostos e não verdadeiros; que se fossem verdadeiros, seriam motivo de comiseração e não de riso; e como os defeitos e vícios de que ria Demócrito eram verdeiros defeitos e verdadeiros vícios, não tinha seu riso motivo algum (...) porque quem chora lastima; e quem ri, despreza; e a compaixão concilia amor, o desprezo, ódio e aborrecimento; quem ri, exaspera; quem chora enternece" (Lágrimas de Heráclito, 1674).

Não se deve rir dos males como estratégia de distanciamento emocional. Primeiro porque os males são reais, não são meras ilusões; segundo, porque, fora da licença da ficção, da arte, o riso é desprezo: "O mais aprenderá depois, porque é arte; para o pranto nasce já ensinado, porque é natureza. Esta é a sentença irrefragável da natureza e esta a natureza dos mortais: é o homem risível, mas nascido para chorar; porque se a primeira propriedade do racional é o risível, o exercício próprio do mesmo racional e o uso da razão é o pranto". (Idem).

Penso sempre nos fatos que sustentaram a extrema consciência da seriedade da existência, o luto barroco, a ponderación misteriosa; muito similares, penso eu, à estranha seriedade das ditaduras totalitárias do século XX. O mesmo impulso militante, a mesma certeza de viver em um mundo corrupto e maléfico, que só merece as lágrimas e que pode ser salvo apenas por um regime tirânico. Onde o riso sobrevive como uma diversão controlada.

A presença do mal nunca foi mais evidente do que no século XX, mas essa visão militante do mundo definhou gradativamente, mesmo como parte da retórica da religião, mesmo sendo muito mais verossímil, como sentimento humano, do que o riso agressivo do monge taoísta diante da dor humana. Talvez o mal, no século XX, tenha assumido tais proporções que um luto barroco tornou-se inviável, insuportável. Nesse sentido, os dias de Paolo Segneri e de Antônio Vieira podem ter sido bem mais amenos, houve mais necessidade de reprimir o riso de Demócrito.

Paolo (http://paolosegneri.blogspot.com/2009/05/qui-ridentis-nunc.html), por sinal, vai mais longe: se não é justo o riso diante da realidade do mal, Deus vigia. Você poderá prestar conta do riso que riu.

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