quinta-feira, 2 de julho de 2009

Oimais pense, quis vol, d'Amours


Não é incomum considerar a vida e a doutrina de Paulo, o Apóstolo, elementos centrais do Cristianismo histórico. Sem suas cartas e seu apostolado, a lição dos Evangelhos poderia bem permanecer uma obscura heresia judaica, como a definiu certa vez um célebre escrito argentino. Tão poderoso foi seu exemplo, que as artes e a literatura do Ocidente fizeram da conversão de Paulo um foco de análise e meditação permanente. Na verdade, a própria idéia de conversão - religiosa, espiritual, política, intelectual, artística, sexual, etc - atingiu uma dimensão excepcional, que jamais teve na Antiguidade e que segue vívida enquanto essas linhas são escritas. Nesse preciso momento, há alguém no mundo abandonado suas idéias e experiências, para abraçar seu eventual oposto, e proclamando uma nova verdade pelo exemplo pessoal.

A aventura existencial da conversão muito deve aos méritos literários do evangelista Lucas. Quem pode deixar de se impressionar com a narrativa dos violentos atos de Saulo, um assassino cruel de apóstatas judeus, sempre disposto, sempre em ação, atingido em plena viagem a Damasco, no alto de seu cavalo, à frente de tropas, cegado, contestado e interrogado por Jesus Cristo, em pessoa? Quem, depois de ler essa história instigante, não se sente vulnerável a uma aparição que inverta suas próprias crenças e ideais? Quem não espera, secretamente, esse chamado?

Alan Segal, em seu brilhante livro, Paul, the Convert, nota, contudo, que Paulo jamais se estendeu sobre os fatos narrados em Lucas. Jamais repetiu a narrativa dos Atos, sempre usou circunlóquios e enigmas para descrever seus encontros com Jesus. Sempre se diminui, jamais se vangloriou, nem escreveu sobre suas conversas com o Cristo. Não construiu nenhuma teologia baseada em revelações de caráter pessoal. Ao contrário, registrou que seu eventual privilégio como Apóstolo dos Gentios era sempre contrabalançado por vergonhas, infirmidades, espinhos na carne e outras humilhações, assumidas publicamente.

Estudos sociológicos acerca do processo de conversão religiosa mostram que este é um traço importante de autenticidade. O converso considera o momento ou a ocasião da conversão um evento relativamente menor, de escassa relevância diante da missão existencial que está destinado a cumprir. Paolo está corretíssimo na ênfase de sua prédica: o Apóstolo foi escolhido porque era o último dos pecadores, não porque tivesse alguma virtude pessoal. Era um violento, brutal, iracundo pecador. Manteve a intacta consciência dessa realidade após o encontro com Jesus e foi anunciar a salvação para o resto da Humanidade. Considera, recomenda Paolo Segneri.

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