sexta-feira, 9 de outubro de 2009

ja non dira pois tanta reva

A modernidade, que tanta troça fez do sacrifício do corpo pelas doutrinas religiosas, que tanto riu das disciplinas impostas à carne em nome de ideais ultramundanos, não consegue fugir de sua própria armadilha. Nem vamos falar da obsessão com dietas, da ingestão ritual de vitaminas e medicamentos contra a absorção de lipídios e açúcares, as infinitas revistas nas bancas de jornal com prescrições de exercícios físicos - resultado inevitável da idéia de que o corpo não paga um preço pelo descaso da mente. Essas ironias, nem de longe, são as mais interessantes.

O fascinante é o seu inverso, anotado, por exemplo, nesse artigo do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas:

"Apesar de já haver estudos científicos e pesquisadores dos mais avançados laboratórios do Mundo trabalhando em torno do doping genético, a juventude dos dias atuais continua exposta ao perigo real dos anabolizantes. O consumo desenfreado dessas drogas tornou-se epidêmico dentro da sociedade, sem distinção de faixas etárias ou classe econômica. É uma epidemia estimulada na supervalorização do físico pela indústria e pela comunicação de massa, que normalmente encontram nas crianças e adolescentes - ávidos por novidades e necessitados de auto-afirmação - os seus alvos mais frágeis.

Uma pesquisa realizada pela Universidade de Massachussets com 975 crianças norte-americanas entre 9 e 13 anos traz resultados alarmantes: 32% dos garotos conheciam um colega da mesma idade que estava utilizando esteróides anabolizantes. E ainda: 2,7% dos meninos e 2,6% das meninas admitiram consumir tais substâncias. Isso significa, na melhor das hipóteses, que numa sala de aula com 50 alunos da 4ª série do ensino fundamental pelo menos um já assume que está se drogando."

Se tal esforço não é a realização da sugestão de Segneri, fazer do corpo o servo da alma, distorcido até seu paralelo lógico... O curioso é que a reação inevitável de familiares e autoridades é copiar a retórica moralizante do século XVII:

"Essa situação atual pode ser o reflexo da nossa sociedade elitista dita moderna e da nossa civilização, em que se nota uma inversão de valores que enfatiza o estar em maior evidência. O uso dessas drogas continua sendo praticado e muitas vezes estimulado pelo próprio sistema", explica um dos maiores especialistas sobre o assunto no País, Azenildo Moura Santos, autor do livro O Mundo Anabólico. Azenildo tentou fazer uma pesquisa semelhante dentro das escolas de Pernambuco, mas encontrou forte resistência dos donos de colégios."

A um religioso do século XVII, padecendo de disciplinas penosas, que respondesse ser a vida nesse mundo uma breve passagem, indigna de maior consideração, que deveria ser usada apenas para garantir maior felicidade no outro mundo, essa é a resposta do homem do século XXI:

"Assim como aconteceu com o fumo há quase 200 anos, a droga é associada à modernidade, beleza e à saúde. Apesar de começarem a ser denunciados casos de câncer de fígado, hepatite tóxica, entre outras sérias doenças relacionadas ao uso de anabolizantes, ainda existe uma forte resistência dos consumidores dessas substâncias que garantem que os efeitos nocivos variam de pessoa para pessoa. "A verdade é que quem usa essas drogas hoje ainda corre riscos desconhecidos", afirma Azenildo Moura. Já o médico Osmar Santos é mais incisivo: "Um garoto que começa a usar anabolizantes aos 11 anos não chega aos 18 inteiro".


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