domingo, 10 de julho de 2011

Omnes quae sua sunt quaerunt

Considera con qual tenerezza di affetto dovresti tu compatire al tuo buon Giesù, mentre tu vedi che tanto pochi sono al Mondo che pigliano la sua causa. Vejamos aqueles que professam servir ao Mundo, sacerdotes, predicadores, párocos, prelados, tantos homnes que se deram a Cristo. Estão em liga a favor de Cristo? Em muitos se contam os que estão enamorados de si mesmos. Amam a Cristo, o aprovam, o desejam e o louvam, mas não o procuram. Procedem de modo diverso nas causas de Cristo e nas próprias.

São dois sinais dessa diferença: o ressentimento das injúrias e o calor do interesse. Não se ofendem com sacrilégios e adultérios, mas com alguma ofensa ao nome de Cristo. Usam da Vinha do Senhor. Isto é despojar-se do seu? E depois faltam as rendas para alimentar os irmãos menores, a punir os rebeldes, a reprimir dos adversários. Muitos usam Jesus como manto para defender a própria honra. Buscam ser honrados pelo hábito e não pela santidade. A reputação de Cristo não deveria ser mantida pela piedade com os pobres, pela mansidão, pela modéstia, pela pureza? Cristo sempre recomendou a virtude, nunca o esplendor. Proponha a construção de um Seminário, de uma Igreja, de um Claustro, de um Monastério: respondem que não é a hora. É preciso decidir em conselho, esperar uma conjuntura propícia. Para aumentar a própria Casa, sempre é hora. É para a glória de Deus que se povoa a Igreja, dizem, mas desta glória Deus pouco cura. Ao contrário, Servire me fecisti in peccatis tuis (Is. 43.24). Não se deve dizer primeiro procurar a glória de Deus e depois a tua, mas apenas desejar a glória de Cristo.

Considera como no gloriosíssimo São José, o Senhor quis mostrar um homem que não foi por si, mas todo por Cristo. Deixou a Virgem sempre intacta, como faz o olmo que se esposa à vide. E depois da morte, ficou por séculos incógnito, inglorioso, esquecido da devoção dos povos. E ainda assim este será aquele Santo que tu deves eleger sumamente como Advogado para merecer esta graça que é a maior: não mais viver sobre a terra senão servindo a Cristo. Ma tu non hai da pregarlo che ti defenda, se non che da te stesso; che sei il nimico più crudele que habbi, mentre per vivere a te tu non vidi a Cristo.

(marzo xviiii... Omnes quae sua sunt quaerunt ... Filípicos, 2. 21)

sábado, 25 de junho de 2011

De unde oar' vine a ta reverie?

Raramente tal consideração é explícita, mas o caráter sagrado de um vitória atlética na Antiguidade também decorria da percepção do inevitável sofrimento que o treinamento envolve. Nos tempos modernos, o esporte é visto como componente de um sistema de valores hedonistas, mas uma coisa é competir; outra, vencer e vencer sempre. Nesse ponto, há uma correspondência evidente com o sacrifício corporal exigido pela Fé.

A síndrome hoje conhecida como supertreinamento (overtraining, em inglês), decorrente de uma dedicação compulsiva ao exercício, é justamente composta por prostração, dores permanentes pelo corpo, feridas nas pernas, redução no desempenho esportivo, insônia, dores de cabeça, baixa imunidade, irritabilidade, depressão, perda do apetite, contusões frequentes, entre outros. Uma forma de flagelação, como se nota com facilidade. (http://sportsmedicine.about.com/cs/overtraining/a/aa062499a.htm).

O exercício físico necessário para triunfar nos esportes - deixando de lado, aqui, formas de estimulação química - pode se transformar em martírio. Não é raro que o atleta com tal síndrome busque ainda mais treinamento e mais sofrimento. O corpo se torna, ele mesmo, um obstáculo para obter o prêmio do Espírito - a vitória. Não existe sinal, contudo, desta associação mais direta no texto de Segneri. Parece seguir literalmente o paradigma poético dos Antigos.



O atlético "Cristo atado à Coluna", de Manuel Chili, o Caspicara (1723-1796).

sábado, 11 de junho de 2011

Dicend: asculta, eu te iubescu

Como ressalta o comentário bíblico de Matthew Henry, todo o trecho da primeira epístola aos Coríntios examinado pela nota de Segneri é marcado por imagens retiradas das competições esportivas da Antiguidade. A sensibilidade dos habitantes de Corinto é natural, pois os Jogos Ístmicos eram celebrados em sua vizinhança desde o ano 582 a.C, sendo suprimidos como ritual pagão apenas no século IV, sob Teodósio I. No tempo do Apóstolo, constituía, portanto, uma tradição multisecular.

No versículo I Coríntios, 9.27, chega mesmo a dizer que o pregador da palavra de Deus deve submeter seu corpo à disciplina para que não seja "reprovado". O termo grego empregado, adokimos, é de natureza esportiva: descreve o descarte, pelo juiz, de quem não tem condições de concorrer. Segneri, por sua vez, sugere que Cristo mesmo seja o grande corredor, o grande atleta.

O caráter sacro do vencedor da competição esportiva era também uma imagem corrente e muito de sua solenidade pode ser atribuída à poesia de Píndaro (522 a. C. - 443 a.C). Suas odes são o melhor registro da nobre visão da Antiguidade sobre o atleta vencedor, capaz de levar a fama eterna para si e para os seus:

(50) ... Zeus concede o bem e o mal, Zeus o senhor de tudo.
Mas honras tais como estas bem recebem a alegria do triunfo,
coberta com o delicioso mel da canção.
(55) Deve o homem disputar e contender nos jogos
se aprendeu com a estirpe de Cleônicos.
O longo treino de seus homens não se esconde na cega escuridão
nem o pensamento de seu custo estremece sua devoção à esperança.
Celebro Píteas também entre os lutadores que domam os membros
(60) com hábeis mãos guiando retamente os golpes de Filácidas
cuja mente é sem igual.
Toma uma guirlanda para ele e um fio da lã mais fina
envia-os com esta alada canção.

Ode Ístmica 5. Para Filácidas de Egina, vencedor do pancrácio em 478 a.C.




Não falta a Segneri, contudo, uma referência local ao heroísmo de uma competição esportiva, transparente no uso do termo palio. Como se sabe, trata-se de uma tradição medieval de fundo religioso, uma corrida de cavalos sem sela, realizada em Asti ao menos desde o ano 1275 e em várias outras cidades italianas. Palio é o nome de uma peça de roupa, usada em Roma como manto, que marcava o local do fim da corrida e era também o prêmio do vencedor.



Imagem do Palio de Asti. Século XVIII.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Sic currite, ut comprehendatis

Considera, che questa vita è quasi una via, nella quale si corre al palio, ch'è la gloria del Paradiso. Todos os homens são chamados a tal corrida, mas quantos seguem parados! Não diz o Apóstolo "aqueles que estão no estádio", mas "aqueles que correm". Inumeráveis são os que evitam um passo para longe do ócio, da crapulice, das comédias, dos amores e de outro entretenimentos. Se na corrida apenas um vence, o que será dos que nem correm? Só o perseverante vence. Tu mal começas uma devoção e logo a deixas. Sinal ruim de que pertences ao número dos infelizes. Como o Apóstolo disse, não basta correr, mas correr para vencer. No serviço de Deus há que fatigar-se. Seguir na corrida vencida por Patriarcas, Profetas, Mártires e, sobretudo, Cristo. E così vedi che bisogna anche correre a questo fine di havere il palio, e conseguentemente non restar mai di correre fin'a tanto, che non arrivi.

(marzo xviii, Nescitis quod hii qui in stadio...  I Coríntios. 9.24 )

terça-feira, 31 de maio de 2011

Quando i soldati de Oloferne

"Havendo eu (diz em um de seus preciosos fólios) indagado esta manhã ao Senhor após a Santa Missa que se dignasse a sugerirme qual afeto depois da Comunhão fosse mais conveniente e mais próprio exercitar para dar-lhe gosto (já que bem sei que não se deve entreter o homem em discursos com o intelecto, mas em operar com a vontade, nem se deve, enquanto temos Deus dentro de nós estultamente procurá-lo fora de nós) me pareceu que sobretudo deve ser o sentimento do estupor. A reverência é pouco, a humildade é pouco, o amor é pouco. Uma maravilha, a maior de todas, que é assim demandada, memoriam fecit mirabilium suorum; não parece que melhor requeira do que maravilha. Deus a mim? Deus comigo? Deus em mim? Que posso eu fazer pensando nisso se não restar atônito, morto, restar absorto em um infinito estupor?"

Raguagglio, capítulo LII, págs 202 e 203.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Pe domnul Elephant, cu inasul invêrtit

Dentre os pesadelos criados pela literatura, poucos são tão sombrios quanto o tormento que recai sobre os Struldbrug, habitantes da ilha de Luggnagg. Tal como os descreve Gulliver, o viajante, os Struldbrug são imortais, mas continuam cumprindo o destino da carne, que é envelhecer. Nessa condição cada vez mais decrépita, tornam-se vulneráveis a eventos de terrível sordidez. Cair em um poço pode se transformar em uma tortura infinita.

O problema, como nota Segneri, é a carne. Enquanto isso, as utopias médicas contemporâneas vendem aos tolos uma juventude infinita, incompatível com o conceito de carne. A retórica das paixões libertadoras condenam todos a um amargo fim, que raramente se vê nos cinemas. Uma espécie de morte civil, como a que acometia as criaturas de Swift. Qualquer hipótese futurista sobre a juventudade eterna apenas viola a estrutura da condição humana. A mortificação, nesse sentido, é uma resposta mais consistente.

O poder da amarga imortalidade da velhice ganhou uma versão inesperada e arguta em um filme recente, The Hunger (1983). No roteiro de James Costigan, Ivan Davis, Whitley Strieber e Micahel Thomas, os vampiros hedonistas - uma metáfora dos adultos-crianças modernos que não querem envelhecer e se alimentam de mitologias crepusculares - terminam alcançados pela moléstia da carne, a que mais temem: a decrepitude. Imortais, não conseguem, contudo, morrer. Vegetam em um sótão.



David Bowie como John Blaylock, em The Hunger

terça-feira, 24 de maio de 2011

qui sunt Christi, carnem sua

Considera qual è il contrasegno di essere caro a Cristo. Não é operar milagres, predicar, profetizar, ser um doutor do Mundo, mas ser mortificado. E é preciso querê-lo. A mortificação é tomar a Cruz, de forma constante, dolorosa. Não é bom médico aquele que não vai à raiz do mal: a carne. É preciso domar a carne com penitência ou queres apenas acariciá-la? E a mortificação exterior de pouco vale: do que serve curar a febre e não o que causa a febre? Quais são as paixões que mais reinam em ti? Procura conhecê-las para poder mortificá-las. Podem até estar vivas, ao menos vivam na Cruz. Quanto aos vícios, grandes ou pequenos, não basta pô-los na Cruz: há que modificá-los. A questo ancora col favore Divino tu porrai giungere.

(marzo xvii, qui sunt Christi, carnem sua aos Gálatas. 5. 24)