quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Ora et labora

No antigo calendário dos santos, o dia 21 de março estava reservado a São Benedito (480-547), o fundador do peculiar monasticismo do Ocidente. Após duzentos anos de revolução industrial e de estado laico, monges e conventos parecem irreversivelmente tisnados, um e outro, como fanáticos e como antros de fanáticos religiosos, imprestáveis para a sociedade e hostis ao convívio entre os homens. Uma leitura mais atenta da biografia de São Benedito (cujo primeiro exemplar é atribuído a São Gregório Magno e escrita em 593) e dos primeiros séculos do monasticismo ocidental não justificaria, contudo, tal repulsa. O recolhimento diante da vulgaridade do mundo, por exemplo, não pode mais ser considerado um gesto estranho e inopinado: basta meia hora de exposição à mídia popular para que uma discreta vontade de se refugiar no campo se instale.

Muitos dirão que se trata de uma rejeição à liberdade de expressão, mas este argumento é falacioso, pois supõe que a mídia popular seja um puro evento de opinião. Não é. É uma operação de venda, são campanhas de propaganda e não é por acaso que a publicidade seja a responsável direta pela maioria dos movimentos em favor da liberdade de expressão. Para evitar a exposição a um ridículo desagradável, a melhor alternativa pode ser mesmo evitar a televisão ou recolher-se a um local fora do alcance dos jogos de gladiadores, dos mercados de escravos, da corrupção, etc. Tal como fez Benedito naqueles anos de barbárie.

Também não se nota com o devido rigor que a regra de Benedito inclui o trabalho, objeto de desprezo sob o escravismo antigo, cujo produto reverteria para os próprios homens recolhidos. Ao contrário do que sugerem as fantasias tardias do capitalismo, o monge, originalmente, não era um vagabundo. Podia não ser um empresário inovador, mas também não era um proletário. Ao contrário do monge do Oriente, um parasita sustentado pelas comunidades, o monge beneditino produzia riqueza e, talvez, riqueza demais.

Para o Estado, sempre sedento de impostos e de poder, aqueles homens recolhidos, que pouco se importavam com as mitologias seculares, orando e trabalhando, ilustrados por uma ideologia consistente, eram uma ameaça palpável. Como controlaremos a populaça por meio do pão e do circo, se perguntavam os governantes, se estes homens têm o seu próprio pão e não se interessam pelo circo? Se não têm a menor intenção de pagar o preço da proteção a uma máfia governamental?

O monasticismo ocidental, na verdade, impõe uma fronteira perigosa para as palavras de Jesus sobre o que é de César. Por fim, como justificar aos olhos dos homens as fraquezas e ambiguidades da política matrimonial e sexual dos monarcas quando havia o termo de comparação com poder sem sexo dos conventos e monastérios? O governo, ontem, hoje e sempre, é o inimigo número um dos homens que se recolhem. Estes sabem produzir seu próprio pão, não acreditam em paraísos terrestres e rejeitam a vulgaridade patética dos príncipes.

No Ocidente, Felipe, o Belo, rei de França, ganhou essa batalha: crucificou e queimou os monges guerreiros. Nada havia, contudo, de fatal nessa vitória, nem ela supera a força dos que se retiram, oram e laboram.

Tiziano. Cavaleiro da Ordem de Malta. (c.1510)

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