sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Pacea adanca 'mi ai rapit

A intenção de pecar, aqui associada por Segneri ao pecado contra o Espírito Santo, diretamente condenado por Jesus no Evangelho, recebeu aqui uma descrição jurídica familiar: a figura da mens rea ou a mente ré. No direito costumeiro anglo-saxão, um ato não faz de alguém um culpado se a mente não for culpada; no Código Penal Brasileiro (artigo 18, inciso I) uma ação é dolosa quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.

Segneri segue apenas um caminho fácil, contudo, porque são conhecidos os paradoxos do dolo. Basta a consideração, quase clássica, do atirador de facas para entender que a ameaça à vida de outra pessoa pode assumir contextos muito variáveis. O atirador treina para não ferir ninguém, ainda que possa, por vontade própria, fazê-lo. O alvo do atirador de facas assume essa condição por vontade própria, consciente dos riscos. O espectador soma uma dimensão a mais ao cenário. Sem ele, o evento não aconteceria. É o mesmo caso de um motorista que, para salvar alguém, excede a velocidade, contraria as leis do trânsito e termina acidentando um terceiro.

Transpondo a figura para o contexto teológico, é fácil perceber que, como o pecado é confirmado apenas pela sua ocorrência, expor-se a situações pecaminosas poderia refletir apenas um desejo de testar-se espiritualmente ou a confiança na capacidade própria de resistir ao pecado. Quanto ao alvo – o pecado – claro está que busca atrair o pecador para a falta: no cenário do atirador de facas, o pecado move-se, atrapalha a concentração do atirador, influi sobre sua disposição de não ferir. Por fim, nada de ruim aconteceria se Deus – o espectador – não propiciasse a ocasião para o homem ser testado pelo pecado.

O argumento do pecador hipotético, meramente mencionado por Segneri, tem lá sua força. O dolo é quase sempre ambíguo e, no Purgatório, os pecados mortais serão afinal cancelados. Quanto aos veniais, também sua culpa será apagada.


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