quarta-feira, 17 de março de 2010

Speranta mea din lume de morte precurma

Usam o que merecem, diziam os pagões sobre os cristãos que portavam uma imagem da cruz. Para um olhar externo, nada é mais distintivo da religião cristã do que o uso, como símbolo, de um instrumento de execução. Forcas, machados ou guilhotinhas são candidatos pouco prováveis a um imagninário piedoso. Evocam o sentimento do sombrio e do macabro e não devia ser pequeno, na Antiguidade, o espanto diante do desafio que representava portar o símbolo da cruz. Para usar a terminologia contemporânea, a cruz representava uma contra-cultura, deliberadamente desafiadora da ordem legal e do imaginário do mundo pagão. No mínimo, um sinal de desprezo pela punição mais degradante que o Estado poderia infligir.

O crucifixo na sua versão canônica, com o corpo de Jesus Cristo, fazendo referência a uma execução específica e não à ameaça geral que pairava sobre os primeiros cristãos no mundo romano, é bem mais tardio. Os primeiros exemplares, ainda rudimentos pintados, datam do século VI e exemplos similares aos modernos crucifixos são ainda mais tardios, datando dos séculos VIII e IX. Em certas regiões da Europa, só aparecem depois do ano 1000. É natural concluir que o crucifixo, como símbolo da ressurreição de Jesus, pertence ao mundo da Igreja triunfante e não mais ao mundo de uma comunidade de perseguidos que orgulhosamente desafiavam a lei de Roma.

A discussão sobre natureza exata do simbolismo do crucifixo, o único companheiro fiel do solitário condenado à morte, como descreveu Segneri, está longe ainda, dois mil anos depois, de se transformar em uma questão acadêmica. As polêmicas causadas pelo uso da cruz seguem vivas nas escolas, nos tribunais ou mesmo na indumentária de aeromoças. Roma, ou o Estado laico, triunfou novamente no Ocidente e a cruz voltou a ser motivo de escândalo.

Os símbolos religiosos são, em geral, questionados pelo Estado, na França, na Turquia ou na Suíça, mas lenços, minaretes, roupas e amuletos africanos são exóticos ou folclóricos demais para ameaçar a ordem laica do Ocidente. Não a Cruz, que desafia o monopólio da violência a custo conquistado pelo Estado nos últimos quinhentos anos.





Em janeiro de 2009, o reverendo Ewen Souter Igreja de São João em Broadbridge Heath, Sussex, Inglaterra, determinou a retirada de um crucifixo que estava "assustando crianças e desagradando fiéis". Esculpido por Edward Copnall em 1960, o crucifixo é feito de pó de carvão e resina. Alude, obviamente, ao sofrimento de outros judeus que, como Jesus, foram torturados e mortos por tiranos no século XX. A alegação é que os cristãos preferem ver a cruz vazia, de onde saiu o ressuscitado, que a cruz da Paixão. Uma parte da imprensa inglesa foi contra a retirada: "Se Maria e João contemplaram Jesus na Cruz, deveríamos estar prontos a fazer o mesmo", comentou um blogueiro.

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