O movimento socialista foi o mais importante fator, nos últimos cento e cinquenta anos, na desaparição da interpretação moral do infortúnio. A proclamação iluminista de que a felicidade terrena é a única felicidade levou à conclusão socialista de que todo infortúnio tem razões materiais, resulta da apropriação feudal ou capitalista e deve fundamentar a revolta do indivíduo. Qualquer resignação com o infortúnio não passa de resignação diante da injustiça de classe. Um poeta socialista, Louis Aragon, chegou mesmo a afirmar que, sob o socialismo, não haveria atropelamentos.
Não é preciso notar a triste ironia embutida na realidade da promessa socialista, mas cento e cinquenta anos de conflito com o capitalismo forçou este último, por razões eleitorais, a confessar a mesma proclamação iluminista. Nenhuma autoridade política ocupará a tribuna para recomendar aos eleitores que aprendam moralmente com tragédias e infortúnios. Mesmo que o Estado não tenha a menor condição de remediá-los ou evitá-los. Apenas em breves momentos, diante das agruras da guerra e da privação, uma liderança política será forçada a reconhecer que só tem sangue, suor e lágrimas em sua plataforma de governo. Nos últimos anos, a mera sugestão de alguma temperança sexual para enfrentar uma mortal epidemia de DST era reprovada como demonstração de reacionarismo religioso.
A hipocrisia última da modernidade, em matéria de infortúnio, mal se compara com a outra face da moeda proposta por Segneri. Sem condições de oferecer a provisão adequada dos bens desse mundo a todos, a modernidade se conforma em proclamar todos os dias a excelência de meros consolos midiáticos. Em um tempo que se recusa à consideração moral do sofrimento, resta apenas o consumo crescente de tranquilizantes, anti-depressivos e remédios para úlcera.
domingo, 13 de fevereiro de 2011
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passando para dar uma conferida nas novas postagens,
ResponderExcluirabçs e tenha uma ótima semana,
Marivan
Bom dia, Marivan. Obrigado pela visita!
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