A realização de transplantes - um fato distante do horizonte mental dos tempos de Segneri - poderia comprovar uma face positiva dessa realidade. Sendo estritamente nosso, poderíamos abrir mão de nosso corpo quando este não mais fosse útil - na morte. Curiosamente, essa consideração utilitária não pesa sobre a doação de órgãos. Qualquer estatística sobre o tema, mesmo em sociedades tecnologicamente capazes de aproveitar a generosidade de um doador, mostra um difícil cenário.
Basta conferir os números oferecidos por http://www.donatelifeny.org/about-donation/data/. Nos Estados Unidos, mais de 110 mil pessoas esperavam por doações de órgãos como corações, rins, pâncreas, pulmões, fígados e intestinos. Por ano, de todas as causas, falecem nos Estados Unidos cerca de 2,5 milhões de pessoas. Mais de 120 mil pessoas morrem de acidentes. Ainda assim, em 2009, houve apenas 8 mil doadores falecidos naquele país.
Na verdade, o número de doadores mostra-se estável na primeira década do século XXI:
O panorama não é diferente em outros países. Na Inglaterra, com população menor, houve 2 mil doadores falecidos em 2009 para um número de mortes em torno de 500 mil. Campanhas permanentes de saúde pública pedem o registro como doador de órgãos, mas o deficit é permanente.
É como se, subitamente, no momento da morte, a idéia pragmática do uso do corpo fosse substítuída por um preconceito religioso, fundamentado na idéia da santidade do corpo. Na verdade, quase todas as religiões oficiais, como alerta o sítio acima citado, apoiam a doação de órgãos. O estabelecimento de alguma forma de doação compulsória, por sua vez, é impensável em uma sociedade democrática.
Este cenário causaria espanto a Paolo Segneri: não queres dar seu corpo nem a Cristo, nem a seu semelhante? Preferes que vermes o comam? O que será de tua alma, perguntaria o jesuíta.
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