Nenhuma ideia moderna parece mais hostil às religiões tradicionais do que a autonomia individual. Nascida da reforma protestante, teve logo uma tradução política e, posteriormente, existencial. Segneri não foi o primeiro a notar que a autonomia individual pode levar à inconstância, à frivolidade e ao sofrimento pessoal, mas registra corretamente que a única saída possível para a autonomia individual é aceitar, na graduação mais conveniente, uma orientação espiritual externa. Boa parte dos seres humanos demanda um guia.
Mesmo essa ponderação, contudo, soa ofensiva a ouvidos contemporâneos. Quem aceitaria, publicamente, seguir a orientação de outrem? A submissão intelectual ou volitiva tem inegável valência negativa, apesar da proliferação de literatura de auto-ajuda, inclusive financeira.
O mais curioso é que, no plano espiritual, a perda de prestígio das formas tradicionais de liderança foi logo compensada pela emergência de outras modalidades, talvez mais coloridas. Nenhuma delas é mais significativa no Ocidente do que o culto do guru, importado, a partir dos anos 1960, das religiões indianas. As causas alegadas do fenômeno vão desde o multiculturalismo ao declínio dos valores ocidentais, mas sua manifestação não perde o sabor paradoxal. Um indivíduo ocidental a quem repugnaria o rito da confissão católica pode adotar, sem maiores escrúpulos, rituais e mitologias radicalmente estrangeiros. Sob uma nova identidade, talvez, o guia espiritual pareça menos opressivo.
Na verdade, a busca pelos mais variados tipos de guia espiritual vem tornando-se mais intensa sob o reino da autonomia individual, um fato que não surpreenderia Segneri. Os conteúdos variam, como mostra o recente
New Religions in a Post Modern World (2002), de Render Kranenborg e Mikael Rothstein, de maneiras quase bizarras, mas o desejo de uma orientação espiritual que alivie o peso da autonomia individual permanece.