domingo, 28 de abril de 2013

La care cum s'aude destul ai conlucrat


Nos anos triunfantes das políticas liberais, o discurso de Gordon Gekko em uma assembléia de acionistas, no filme Wall Street (1987), tornou-se um dos símbolos daquilo que não se queria então reconhecer como a ordem moral dos tempos: "a cobiça é boa". A sugestão original, naturalmente, é pouco posterior a Segneri, feita por iluministas escoceses no século XVIII.

O curioso, entretanto, é que a aberta confissão de cobiça não resistiu, no cinema ou na arena pública, nem a um quarto de século. Dois anos depois do início da primeira crise financeira do milênio, em 2010, o mesmo personagem retorna à cena para combater o demônio da cobiça no sucessor "O Dinheiro nunca Dorme".


Nesses mesmos anos, por sinal, prosperavam as ideias sobre a responsabilidade social das empresas, frequentemente usadas como instrumento de protecionismo, mas nem por isso menos sintomáticas do fato mencionado por Segneri: não reconheces a cobiça, mesmo escondida sobre a terra?

sábado, 27 de abril de 2013

Radix omnium malorum


Considera, che in diverso modo è principio dei frutti il tronco, in diverso n’è la radice. Quanti frutti dà la radice, tanti dà ‘l tronco. Contudo, se a soberba gera os males, é o interesse que a nutre. Se não houvesse o interesse, como poderia tanto a soberba? Que pode um soberbo pobre. É o interesse que leva à impiedade, que endurece o coração, que produz a violência, a falácia e a fraude. O interesse pode mais que o medo, pois vai convencendo a si mesmo que a outra vida, seus prêmios e seus castigos, é irreal.

O interesse, sendo raiz, é mais difícil de extirpar. O amor ao dinheiro é quase invencível. A soberba tem muitos objetos, o interesse tem apenas um. Ele perverte o intelecto. Contempla os amantes do dinheiro, vê como vivem. Dinheiro é labuta e sacrifício. Dê logo o dinheiro a Deus e livre-se desse peso. Doe sempre, desapegue-se, pois o interesse, como a raiz, está sempre lá, invisível. Non saranno in te, per favor Divino, quei frutti così pestiferi che l’interesse produce, perch’egli hà poco pascolo da nutrirsi, ma credi tu, che non vi sia la radice?

(marzo xxx…  Radix omnium malorum ets cupiditas.. I Timóteo.6.10)

sexta-feira, 12 de abril de 2013

A copilei dulce frunte cu vii umbre colora

Nenhuma ideia moderna parece mais hostil às religiões tradicionais do que a autonomia individual. Nascida da reforma protestante, teve logo uma tradução política e, posteriormente, existencial. Segneri não foi o primeiro a notar que a autonomia individual pode levar à inconstância, à frivolidade e ao sofrimento pessoal, mas registra corretamente que a única saída possível para a autonomia individual é aceitar, na graduação mais conveniente, uma orientação espiritual externa. Boa parte dos seres humanos demanda um guia.

Mesmo essa ponderação, contudo, soa ofensiva a ouvidos contemporâneos. Quem aceitaria, publicamente, seguir a orientação de outrem? A submissão intelectual ou volitiva tem inegável valência negativa, apesar da proliferação de literatura de auto-ajuda, inclusive financeira.

O mais curioso é que, no plano espiritual, a perda de prestígio das formas tradicionais de liderança foi logo compensada pela emergência de outras modalidades, talvez mais coloridas. Nenhuma delas é mais significativa no Ocidente do que o culto do guru, importado, a partir dos anos 1960, das religiões indianas. As causas alegadas do fenômeno vão desde o multiculturalismo ao declínio dos valores ocidentais, mas sua manifestação não perde o sabor paradoxal. Um indivíduo ocidental a quem repugnaria o rito da confissão católica pode adotar, sem maiores escrúpulos, rituais e mitologias radicalmente estrangeiros. Sob uma nova identidade, talvez, o guia espiritual pareça menos opressivo.

Na verdade, a busca pelos mais variados tipos de guia espiritual vem tornando-se mais intensa sob o reino da autonomia individual, um fato que não surpreenderia Segneri. Os conteúdos variam, como mostra o recente New Religions in a Post Modern World (2002), de Render Kranenborg e Mikael Rothstein, de maneiras quase bizarras, mas o desejo de uma orientação espiritual que alivie o peso da autonomia individual permanece.

sábado, 14 de julho de 2012

Confundetur Israel

Considera, che il fine principalissimo per cui tanta gente, ancora spirituale, e sì inclinata a far la sua volontà, è perche spera in essa di trovar quiete. E ainda assim, se vai ao oposto, pois se existe algo que te pode meter em confusão é seguir tua vontade. Sempre duvidarás se é melhor fazer deste ou daquele modo, se tratar com o próximo ou viver retirado, se dormir ou velar, se comer ou jejuar.

Se queres encontrar a paz, deve submeter-te a um diretor que te governe. Vê como fazem os litigantes que buscam um Árbitro. A carne e o espírito são litigantes terríveis! Mesmo Israel se confundiu, mesmo Paulo. Os íntimos de Deus se deixaram governar por outros. Considera a felicidade de quem se fez religioso e se consagrou a uma obediência perpétua. Não é esta, uma quieta maravilhosa? Habbi però una somma fede al valore dell'ubbidienza, e tien per indubitato, che chiunque si vorrà governare da se, resterà confuso: confundetur Israel in voluntate sua. Chi non resterà mai confuso? Sol chi ubbidisca, si audierint, et observaverint, complebunt dies suos in bono et annos suos in gloria. Iob 36.11. complebunt dies suos in bono, perche viveranno quietissimi, et complebunt annos suo in gloria, perche morrano gloriosi.

(marzo xxix... Confudetur Israel in voluntate sua... Oséias, 10.6).

terça-feira, 22 de maio de 2012

Acopere totul, crede totul, nădăjduieşte totul, sufere totul

A bela figura retórica empregada por Segneri para descrever a paz alcançada pelos justos, sustentada por negativas, é uma referência clara à celebre passagem da primeira Epístola aos Coríntios (13, 4), quando Paulo define a natureza do amor (ágape):


"4.O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não se vangloria, não se ensoberbece,
5 não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal;
6 não se regozija com a injustiça, mas se regozija com a verdade;
7 tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta."

Tal encômio do amor, contudo, não foi uma invenção do apóstolo: representa uma figura literária conhecida na cultura grega. Tem um igualmente célebre antecessor, exposto nas seções 203c e ss do diálogo platônico "O Banquete". Como é sabido, o amor (eros) é assim descrito:

"E por ser filho o Amor de Recurso e de Pobreza foi esta a
condição em que ele ficou. Primeiramente ele é sempre pobre, e
longe está de ser delicado e belo, como a maioria imagina, mas
é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro,
deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque
tem a natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão.
Segundo o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom,
e corajoso, decidido e enérgico, caçador terrível, sempre a tecer
maquinações, ávido de sabedoria e cheio ele recursos, a
filosofar por toda a vida, terrível mago, feiticeiro, sofista: e nem
imortal é a sua natureza nem mortal, e no mesmo dia ora ele
germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo
ressuscita, graças à natureza do pai; e o que consegue sempre
lhe escapa, de modo que  nem empobrece o Amor nem
enriquece, assim como também está no meio da sabedoria e da
ignorância."

terça-feira, 1 de maio de 2012

Sedebit populis meus

Considera, che questo beato popolo, del quale quì si ragiona, non può già essere un popolo, qual è quello degl'imperfetti, mas uno assai spirituale, assai santo, populus peculiaris, perche già si presuppone, che non habbia più di bisogno di stare tutto dì combattendo affanosamente, ma che già goda riposo, mentre incontanente si dice, che sederà: Sedebitis populus meus. Quem são os que alcançam esta sorte? Poucos são - os que são senhores do seu querer. Tu entendes a rara felicidade de quem combateu por longo tempo e alcança o domínio de si mesmo? A paz não é outra coisa que a tranquilidade em ordem: não inveja, não presume, não litiga, não persegue, não ambiciona e sabe viver em paz mesmo com os que são amantes da guerra. É ordenado com Deus, porque em tudo se submete a Ele.

Ó tu, beato, se soubesses por uma vez deixar-te invadir por tão digna paz. Não vês tu como é bela?

O Justo, após haver repousado na paz, na morte descansa no Tabernáculo da Confiança. Nos pagos do Senhor. Como a Pomba, que não sai a combater o Falcão no ar aberto, mas retira-se aos bosques escuros. Saciado na memória, saciado na vontade, plena de Deus, saciado no exercício da virtude, saciado no bem, saciado pela total saciedade que possa haver em todos os seus sentidos. Saciado no gosto do celeste maná. E finalmente saciado pela fonte da saciedade que é Deus, pois Ele não tem necessidade de nada. Procura, pois, ser parte desse Povo. Se vuoi requie dopo la morte, convien che alla requie preceda la fatica, si che ti spendi per Dio, ti strugghi per Dio, e ti curi poco di umani sollevamenti infino a tanto, che dicat tibi Spiritus, non il Corpo, ut requiescas à laboribus tuis. Apoc.14.13.

(marzo xxviii, Sedebit populus meus.... Is. 32.18)

domingo, 26 de fevereiro de 2012

El singur sa'mi stea fata in acele minute

O caráter espiritual da concentração da mente nas mínimas ações que cada um pratica em sua vida cotidiana ou em seu ofício cotidiano é hoje uma figura retórica comum. Ela se espalha pelas literaturas de auto-ajuda modernas, mas avança também sobre as descrições populares das religiões orientais. Em Segneri, naturalmente, o sentido é bem mais preciso: esta concentração é necessária para realizar a intenção pura e para invocar corretamente a ajuda divina. De forma sutil, ele insinua que cada gesto pode se transformar em um ritual.

O efeito terapêutico e salvador desta concentração pode revelar-se em ocasiões surpreendentes. Em sua obra pungente sobre o Gulag soviético, Anne Applebaum descreve como a capacidade pessoal de isolar-se, por meio de tarefas comuns, do horror do trabalho forçado e da injustiça contribuía para a sobrevivência de muitos prisioneiros.

Escrever poesia, fabricar colheres ou agulhas para os que precisavam, meramente dedicar-se a ouvir um amigo, lavar ritualmente as próprias roupas, manter a rotina de tomar banho foram recursos empregados para, de alguma maneira, preservar a dignidade interior (Gulag. A History, 2003, págs 346-347). Mesmo uma celebração mínima do ritual da Páscoa Ortodoxa atraía crentes e ateus.

Na mera atenção ao que fazemos, argumenta Segneri, está a salvação.